Título: Argentina cria barreiras para importação de linha branca
Autor: Leo, Sergio
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2008, Brasil, p. A5

A Argentina anunciou ao governo brasileiro que uma nova medida, a ser adotada em breve, deve afetar os produtores de eletrodomésticos no Brasil: em conseqüência da crise de energia no país, o governo argentino determinará novas normas técnicas, com maiores exigências de eficiência no consumo de energia, para produtos como máquinas de lavar e geladeiras. O Brasil fornece hoje 87% das geladeiras consumidas no país.

A redução gradual do superávit do Brasil no comércio com a Argentina foi insuficiente para superar os problemas bilaterais: as divergências no comércio do trigo, agora, podem provocar novo contencioso entre os dois parceiros do Mercosul, alertou ontem o secretário de Desenvolvimento da Produção, Armando Meziat, ao fazer um relato da reunião da Comissão de Comércio Brasil-Argentina, que discutiu o assunto. "Essa questão pode gerar confronto entre os dois países, com uma ação antidumping dos produtores brasileiros."

O governo argentino trouxe uma boa notícia para os importadores brasileiros do trigo do país vizinho: foram reabertos os registros de exportação do trigo na Argentina, que estavam fechados desde janeiro. Nos próximos três meses, serão permitidos registros para exportação de até 1,2 milhão de toneladas. A notícia foi comemorada pelo secretário-executivo do Ministério do Desenvolvimento, Ivan Ramalho, embora seja considerada insuficiente para atender às necessidades de importação dos moinhos brasileiros, que têm a Argentina como principal fornecedor.

Ramalho avisou que o governo poderá aumentar as cotas para importação de trigo sem tarifas proveniente dos Estados Unidos e Canadá, caso a Argentina não seja capaz de atender às necessidades brasileiras. Meziat informou que o governo estuda reduzir tributos, como o adicional de frete para a Marinha Mercante, para dar maior competitividade a essas importações. As restrições às exportações argentinas são defendidas pelo governo vizinho como instrumento de garantia do abastecimento interno, e geram fortes protestos na própria Argentina.

O principal fator de conflito entre Brasil e Argentina, porém, é a diferença de taxação entre o trigo, usado como matéria-prima, e a farinha. Sujeitos a tarifa de exportação 18 pontos percentuais inferior à aplicada sobre o trigo, os produtores de farinha e trigo têm competido com vantagem com os fabricantes brasileiros (que usam matéria-prima da Argentina, pagando imposto). A farinha de trigo argentina ganha fatias crescentes do mercado brasileiro: em 2004, ocupava 4% do mercado; em 2005, estava em 5%; em 2007 chegou a 8% e, neste ano, deverá chegar a 10%, segundo previsão do governo brasileiro.

Os argentinos anunciaram ontem a decisão da presidente Cristina Kirchner de atender parcialmente às queixas brasileiras, e reduzir para dez pontos percentuais a diferença entre o imposto de importação do trigo e o da farinha. A redução agradou, mas é insuficiente e deve gerar reação negativa dos produtores de farinha do Brasil, previu Ramalho. Meziat disse acreditar que talvez seja possível retomar as tentativas fracassadas de um acordo no setor privado dos dois países para limitar o crescimento das vendas de farinha de trigo argentina ao Brasil.

Fernando Fraguio, secretário de Indústria do Ministério da Economia da Argentina, repetiu sua queixa tradicional contra os superávits em favor do Brasil nas trocas comerciais, ao comentar a reunião. Os superávits vêm diminuindo, mas o Brasil ainda leva vantagem no comércio, argumentam os argentinos, que ontem, mais uma vez, rejeitaram as sugestões brasileiras para novo acordo de comércio no setor automotivo, com menos restrições às vendas de automóveis, partes e peças entre os dois países.

O tema voltará a ser discutido entre os governos no fim de abril, e os argentinos adiantaram que querem manter barreiras à importação de autopeças, para desenvolver a indústria nacional.