Título: Debate sobre Bolsa Família esquece excluídos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2008, Brasil, p. A5

A imprensa brasileira acompanha o Bolsa Família com atenção raramente vista em casos semelhantes no mundo, e, aparentemente, mostra mais preocupação com a possível inclusão indevida de pessoas no programa do que noticia a existência de pobres excluídos que deveriam ser beneficiados. Essa é uma das conclusões de pesquisadores do Banco Mundial, que apresentaram ontem ao governo um estudo inédito sobre o debate em relação ao Bolsa Família na imprensa escrita do Brasil.

Após avaliar positivamente, e sugerir a outros países que imitem a experiência brasileira com o Bolsa Família, pesquisadores do Banco Mundial decidiram levar aos outros países também o debate provocado pelo Bolsa Família na imprensa, como forma de mostrar as possíveis reações a esse tipo de programa na sociedade. "O Bolsa Família é como jabuticaba, uma criação original do Brasil, que deu certo", graceja a pesquisadora Kathy Linders, do Departamento de Desenvolvimento Humano do Banco Mundial, uma das responsáveis pelo estudo.

Foram escolhidos seis jornais, três deles de circulação nacional, e acompanhados desde 2001, quando começaram, no governo Fernando Henrique Cardoso, programas de transferência de renda condicionada aos mais pobres, como o Bolsa-Escola e o Bolsa-Alimentação, reunidos pelo atual governo no Bolsa Família.

O debate na imprensa, desde 2001, foi pautado por avaliações favoráveis às transferências, e críticas - que aumentaram sensivelmente após 2003 - a problemas de implementação. O número de artigos sobre a Bolsa Família, entre 2003 e 2006, foi quase o dobro do total de artigos sobre o Bolsa Escola, no governo FHC. Nos dois governos, porém, os anos eleitorais sempre são acompanhados por cobertura mais intensa, com mais críticas aos programas.

Uma das constatações curiosas do estudo diz respeito à preocupação com a "porta de saída" do programa. Nos EUA, por exemplo, o debate público é marcado com a preocupação em fixar um prazo limite para permanência dos beneficiados no sistema, continue ou não a situação de miséria que os tornaram elegíveis à ajuda do governo. No Brasil, os jornais enfatizam a preocupação de que o programa dê condições aos beneficiados para sair da situação de pobreza, ou ferramentas para permitir que os beneficiados obtenham emprego. Há também muito menos artigos sobre populações não alcançadas pelos programas do que descoberta de pessoas beneficiadas irregularmente.

Os pesquisadores constataram que, entre os "temas quentes" da imprensa, os relatos sobre fraudes e controles, que ocupavam 10% das reportagens durante o governo FHC, passaram a constar de 50% dos artigos publicados, em 2004. Nos anos seguintes, com as providências de controle e cadastro tomadas pelo governo, o tema perdeu importância, até ocupar menos de 20% dos artigos em 2006.

Os técnicos do Banco Mundial comentam que a imprensa nem sempre diferencia entre problemas causados por fraudes e irregularidades burocráticas, de desconhecimento de regras ou erros em formulários, o que, na avaliação dos especialistas, dá aos leitores uma impressão equivocada sobre a natureza dos "desafios" de programas como o Bolsa Família.

"Nem toda irregularidade é fraude", lembra Kathy . Em reunião com autoridades do Ministério do Desenvolvimento Social e da Presidência da República, ontem, os técnicos do banco sugeriram campanhas e cursos para que os jornalistas adotem os termos técnicos no tratamento noticioso das irregularidades dos programas.

Os técnicos do banco constataram que, em um terço das notícias sobre irregularidades, a fonte era o governo, por suas agências de controle ou ministérios. Em mais de um quarto, foi a imprensa quem investigou e encontrou problemas.