Título: Exércitos a postos na guerra pelo mínimo
Autor: Iunes, Ivan
Fonte: Correio Braziliense, 13/02/2011, Política, p. 2

Governo mobiliza as tropas para vencer a votação que determinará o valor do piso salarial de 2011 e, em nome do equilíbrio das finanças, ameaça os soldados insurgentes enquanto tenta convencer a oposição a seguir a cartilha do Planalto

O governo federal abriu o paiol e ostentou seu arsenal para fazer uma ameaça à base aliada: na votação do reajuste do salário mínimo, marcada para a noite de quarta-feira, o debate pode até existir, mas eventuais traições serão imperdoáveis. A presidente Dilma Rousseff tem tratado como questão de honra a aprovação na Câmara dos Deputados, sem sustos, do piso de R$ 545. A demonstração de força contra insurgentes inclui pressões sobre as nomeações do segundo escalão, liberação de emendas e até ameaças de expulsões partidárias. Os recados foram passados por diversos interlocutores do Planalto no Congresso. Em início de governo, não há espaço para motins, sob pena de o ¿traidor¿ comprar bilhete apenas de ida para os campos oposicionistas.

A intensidade da pressão que o governo federal exerce na primeira votação de impacto do governo Dilma no Congresso busca confirmar um plano traçado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, antes das eleições do ano passado. Lula sacrificou aliados e o próprio partido em pleitos estaduais para configurar ampla maioria no Senado e na Câmara. Com o peso da caneta à mão e o vasto apoio de parlamentares alinhados às intenções do Planalto, a sucessora de Lula não deve enfrentar problemas. No primeiro teste interno, por exemplo ¿ a reeleição do presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS) ¿, a tese foi confirmada com uma vitória tranquila. A prova de fogo, entretanto, em uma matéria com forte apelo social, será dada na quarta-feira.

Nos últimos dias, Dilma escalou diversos aliados para alertar aos dissidentes que confrontar as aspirações do Executivo não será empreitada profícua. O líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP), recebeu a incumbência de sugerir aos representantes partidários que fechassem questão no reajuste do salário mínimo pelo valor apresentado pela equipe econômica. A medida coloca sob risco de expulsão o deputado ou o senador que não seguir a orientação da legenda. Sem partido, abre-se uma brecha até mesmo para a perda do mandato. ¿O governo vai entrar no mínimo para ganhar ou perder, não tem negociação¿, resume Vaccarezza.

Do outro lado da mesa, a oposição ainda confia na tese de que, com a base aliada anabolizada, Dilma terá mais problemas para controlar os governistas do que em vencer os oposicionistas. Em princípio, a ideia tem dado indícios de que pode se confirmar no caso do salário mínimo. Embora PTB, PR, PCdoB, PT e PP tenham anunciado apoio irrestrito à aprovação dos R$ 545, ninguém aposta que os partidos chegarão totalmente fechados com o governo no plenário. O trabalho de convencimento capitaneado pelos líderes oposicionistas e pelo deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP) ¿ que, embora da base, representa os sindicatos e luta por um reajuste maior ¿ chegou a ministros e interlocutores diretos da presidente. ¿Trabalhamos a ideia de que o governo aceite os R$ 560. É uma briga que não vale a pena ser comprada, ainda mais com o trabalhador. A tendência de o governo perder na Câmara é muito grande. Ganhamos os 15 votos do PV, enquanto o Luiz Sérgio (ministro de Relações Institucionais) não conseguiu nenhum. Estamos caminhando bem e isso inclui o PMDB¿, avisa Paulinho da Força, como é conhecido o parlamentar.

Incógnita Com a segunda maior bancada da Câmara, com cerca de 80 parlamentares, e uma lista de reivindicações de cargos ainda não atendida na Esplanada dos Ministérios, a postura dos parlamentares do PMDB é a maior incógnita da votação. Interlocutor mais estridente dos ¿insatisfeitos¿, o líder peemedebista na Casa, Henrique Eduardo Alves (RN), engoliu seco derrotas recentes e garantiu reforçar o governo na votação. Mesmo assim, PPS, PSDB e DEM contam com parte dos peemedebistas para pregarem uma primeira peça no governo. Os três se aliaram aos dissidentes do PDT em torno de uma cifra tida como aceitável para vários deputados governistas, entre eles petistas de peso, como o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu: R$ 560.

Na véspera da votação, o Planalto escalou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seu secretário executivo, Nelson Machado, para explicarem pessoalmente aos parlamentares que o valor pleiteado é insustentável. A ideia é reforçada por economistas. ¿No ambiente de ajustes fiscais, com um corte de R$ 50 bilhões recém-anunciado, é um cenário muito improvável que o governo amplie o aumento, pois traria insegurança à economia¿, aposta o professor da Universidade de Brasília (UnB) Roberto Elleri.

Com projetos na fila de votação, como o aumento de 56% dos servidores do Judiciário e outros à vista, por exemplo o reajuste dos cargos de Direção e Assessoramento Superior (DAS), a única forma de o governo manter a promessa de economizar no primeiro ano de mandato é fazer valer a tese traçada por Lula: com maioria parlamentar confortável, governo novo não perde votação.

O inimigo número 1

A escolha do relator do projeto que reajustará o salário mínimo, o ex-sindicalista e hoje deputado Vicentinho (PT-SP), indicado pelo governo, representa um contraponto ao maior fator de risco da votação de quarta-feira: a liderança do deputado Paulo Pereira da Silva (PDT-SP), presidente da Força Sindical. Sob as vestes de defensor do trabalhador, o pedetista é responsável por boa parte do atrito que opõe o valor defendido pelo Planalto, de R$ 545, aos R$ 560 articulados pelos dissidentes governistas ¿ guiados por Paulinho e pela oposição. Para o Planalto, não fosse a atuação do sindicalista e deputado, as aspirações do Executivo não encontrariam resistência.

O governo federal decidiu escalar Vicentinho para a função na tentativa de anular o principal eixo de força de Paulinho nas negociações: o papel de articulador político dos sindicatos, que ganharam força com os resultados da economia nos últimos anos. A presença do ex-presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT) no plenário em oposição ao presidente da Força Sindical reeditará uma disputa travada pelas duas maiores centrais do país desde meados da década de 1990, o que explica em parte a atual força de Paulinho.

A união sindical representada pelo parlamentar do PDT teve início a partir de uma estratégia do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1991. A entidade nasceu com o objetivo de enfraquecer a CUT e seu expoente, o então adversário de Collor Luiz Inácio Lula da Silva. Ex-diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Paulinho foi eleito presidente da Força Sindical em 1999, substituindo Luiz Antônio de Medeiros. Assim como o antecessor, manteve o sindicato às turras com a CUT e se alinhou aos tucanos em São Paulo.

A situação se manteve assim até 2008, quando a Operação Santa Teresa, da Polícia Federal, investigou o deputado após a denúncia de um esquema de fraudes na liberação de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para prefeituras. O sindicalista viu o dedo do então governador de São Paulo, José Serra (PSDB), nas acusações e, como resposta, alinhou-se a Lula e à CUT. Mesmo compondo a base aliada, sempre houve atritos com o governo quando o tema era o reajuste do salário mínimo ¿ o que motivou o governo federal a pressionar pela saída de Paulinho da liderança do PDT na Câmara. Hoje, o posto é ocupado pelo deputado Giovanni Queiroz (PA).