Título: Ruralistas cedem a suspendem locaute
Autor: Rocha, Janes
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2008, Internacional, p. A10

Os agricultores argentinos suspenderam por 30 dias a paralisação que mantiveram desde o dia 13 de março, em protesto contra o aumento dos tributos sobre a exportação de soja e girassol. Com a decisão, tomada ontem em assembléia das quatro principais entidades nacionais dos ruralistas - Federação Agrária (FAA), Sociedade Rural Argentina (SRA), Confederações Rurais (CRA) e Coninagro - o trânsito de caminhões foi normalizado em todas as estradas atingidas pela paralisação em 11 províncias, inclusive o tráfego de caminhões vindos do Brasil.

Estima-se que só daqui a uma semana estará totalmente normalizado o abastecimento de alimentos em Buenos Aires e em outras grandes capitais, muito afetado pelo locaute. O produto mais em falta é a carne, alimento básico da dieta dos argentinos e preferido dos milhares de turistas que vêm ao país todos os dias.

O recuo dos ruralistas veio no dia seguinte a um duro discurso da presidente Cristina Fernández de Kirchner, que os acusou de golpistas e exigiu a liberação das estradas fechadas por filas quilométricas de caminhões parados. Cristina discursou para uma multidão reunida na Praça de Maio, em ato convocada pelos partidos políticos, sindicatos e organizações não governamentais aliados ao casal Kirchner.

"Entramos em estado de alerta", afirmou ao Valor Alfredo G. Rodes, diretor executivo da Confederação das Associações Rurais das províncias de Buenos Aires e La Pampa, cujos associados também pararam nesses 20 dias. Rodes disse que os produtores não se sentiam derrotados pelo governo, já que tiveram um apoio popular que não esperavam. Ele se referia à multidão que saiu às ruas de Buenos Aires e outras capitais na semana passada, batendo panelas em apoio ao campo.

Segundo Rodes, durante o próximo mês os produtores querem retomar o diálogo com o governo, acompanhar a implementação das medidas anunciadas segunda-feira e tentar incluir na agenda outros temas além da soja.

O governo prometeu compensar os pequenos produtores pela alta das retenções, que passaram de 35% para 44,1%, com depósito da diferença em dinheiro em contas bancárias e com a criação de uma subsecretaria especial para atender suas demandas. Além disso anunciou a liberação das exportações de trigo, há meses fechadas, com preço internacional pleno ao produtor e também novas linhas de crédito. Mas não voltou atrás no aumento das retenções, que era o principal motivo do protesto.

"Não estamos discutindo só dinheiro, estamos discutindo um sistema", disse Rodes, reiterando que, além da falta de uma política agrícola ampla, os produtores têm problemas de abastecimento de combustíveis, falta de infra-estrutura e de crédito.

A assembléia dos produtores aconteceu em Gualeguaychú, na província de Entre Ríos. Do alto de um caminhão, falando ao microfone para um grupo de agricultores reunidos ao ar livre, Marío Llambías, presidente da CRA, repetia as críticas que o setor vem fazendo ao governo. E completou: "Queremos soluções e não apenas promessas". Rodes lembrou que algumas medidas anunciadas pelo governo na segunda-feira, como a criação da subsecretaria e a reabertura das exportações de trigo, já haviam sido anunciadas anteriormente e nunca saíram do papel.