Título: Depois da tempestade
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 03/04/2008, Eu, p. D1

Os fundos multimercados tiveram em março um dos piores meses de sua história. Vários perderam mais de 5% no mês e poucos conseguiram fechar no azul. Foram tantas as armadilhas que mesmo gestores tarimbados derraparam nas curvas de juros, no vaivém da bolsa, na alta do dólar e até no fracasso do leilão da Cesp. Quem escapou de um problema, caiu em outro. O desafio agora é tentar recuperar as perdas, apostando na melhora do mercado brasileiro, mas com posições mais reduzidas. E evitar a fuga dos investidores em um momento que pode ser de recuperação.

Vários gestores, especialmente entre os independentes, sofreram com a Cesp, cuja ação caiu 40% no mês. "Mas o mercado foi todo errático, principalmente o dólar, que subiu inesperadamente, e os juros, em especial as NTN-B" diz Gilberto Faiwichow, sócio da Fiducia Diamond. Segundo Faiwichow, houve um descasamento entre os juros das NTN-Bs, das LTNs e das NTN-Fs e os juros futuros da BM&F por conta da criação do imposto sobre operações financeiras (IOF) de 1,5% para estrangeiros. "Isso reduziu o interesse dos estrangeiros por alguns papéis ou os fez pedirem um prêmio maior em relação aos contratos da BM&F", explica.

Com isso, os juros desses papéis subiram, trazendo perdas para os gestores que os carregavam. O movimento se acentuou no fim do mês, quando o Banco Central praticamente marcou a data para subir os juros, na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). "Foi um mês difícil, não só no Brasil como no exterior para os multimercados e para outros fundos, como ações, long/shorts e até renda fixa", diz Mauro Bersgstein, do Credit Suisse.

Ele lembra que o segundo semestre do ano passado já foi difícil para os mercados e a turbulência continuou nos três primeiros meses deste ano, com quedas fortes da bolsa em janeiro, recuperação em fevereiro e novas quedas em março. "E isso levou uma parte dos investimentos em risco feitos no ano passado de volta para aplicações conservadoras, como os DIs". Segundo ele, a perda do fundo CS Absolut 30 em março foi provocada justamente pelos prefixados. "Mas ainda temos um ganho acumulado de 2,41% no ano", lembra.

Na Quest, a proteção feita no mercado internacional não funcionou e as carteira perderam com apostas em juros e bolsa no mercado local, diz Walter Maciel, sócio da Quest Investimentos, que tem como estrategista o ex-ministro Luiz Carlos Mendonça de Barros. "No ano passado, vendemos ações de bancos americanos e a proteção funcionou, mas este ano não imaginávamos que a crise de crédito nos EUA fosse ser tão grave". Além disso, a gestora vendeu libra e euro, mas o ganho com as moedas não compensou a perda com a alta do dólar aqui. "Não conseguimos compensar as perdas em bolsa, câmbio e juros pré". Na bolsa, as carteiras da Quest não tinham Cesp, mas perderam com Petrobras e Vale. Maciel diz que a gestora decidiu manter as posições, mas em volumes menores, com metade do risco que poderiam assumir. "O cenário para Brasil é sólido, tanto que já estamos tendo boas performances em abril".

Outro fator negativo para os multimercados foi a queda das ações menos líquidas, amplificada por um ajuste técnico, explica Paulo Pereira Miguel, da Quest. "Muitos papéis caíram mais de 25% no mês", diz. A queda foi alimentada pelas vendas de estrangeiros, que até dia 28 acumulavam saldo negativo na Bovespa de R$ 2,495 bilhões em março. Mas foi potencializada por um movimento de saques em fundos de arbitragem de ações - os long/shorts - nos últimos seis meses. De um total de 40 fundos acompanhados pelo Valor, houve resgates de R$ 2,740 bilhões em seis meses, reduzindo o patrimônio total para R$ 8,528 bilhões.

Com esses resgates, muitos tiveram de desfazer posições, vendendo as ações que achavam que iam subir e comprando as que achavam que iam cair. "Foi um movimento técnico importante, que derrubou ações que muita gente gostava e puxou outras menos atrativas", explica ele, citando papeís de varejo e construção entre os que perderam.

Essa queda da segunda linha atrapalhou as estratégias de valor relativo entre ações, explica Ronei Frigério, sócio da gestora Lote45. "Não tínhamos Cesp, mas erramos na análise do mercado", admite ele, explicando que as operações de proteção não funcionaram, como a compra de dólar. "A moeda subiu, mas não o suficiente para compensar as perdas em renda fixa pré e bolsa", diz. Ele dá o exemplo da ação da novata do setor imobiliário Inpar, que no ano caiu 58,30%. " Os fundos não tiveram bom desempenho e, com os saques, os gestores têm de vender e tem muito papel bom despencando". A gestora saiu das ações menos líquidas em março e agora tem posição em juros, acreditando que mesmo que a Selic suba há prêmio nos papéis atuais, diz Frigério.

O que ocorreu em março com os multimercados foi um ponto fora da curva, com vários acidentes de percurso no mercado, afirma Emanuel Pereira, sócio da GAP Asset Management. O GAP Absoluto foi vítima da alta do dólar. "Foi difícil escapar de todos os eventos". Mas ele lembra que o processo é cíclico. "O mercado piora e depois volta."

As crises de 97 e 98 (da Ásia e da Rússia, respectivamente) trouxeram fortes perdas para muitos fundos naquela época, mas agora os prejuízos foram muito menores, apesar de a crise ser tão importante quanto as anteriores, avalia Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Plenus Gestão de Recursos. "Isso mostra que os controles de risco estão muito mais eficientes", diz. Além disso, naquela época, as crises pegaram em cheio os mercados emergentes, o que não aconteceu desta vez.

No caso do Plenus Hedge, quase metade das perdas em março ocorreu por conta de papéis dos setores de construção civil, consumo e educação. Além disso, a carteira perdeu 1,5% com a desvalorização de Cesp. Segundo Espírito Santo, o fundo foi pego em cheio durante uma mudança na estratégia de gestão. Antes, a carteira adotava o estilo macro, que aposta na tendência de mercado, e passou a ser "equity hedge", que procura ganhar com ações e seus derivativos.