Título: Um salário para quem precisa
Autor: Khodr, Carolina
Fonte: Correio Braziliense, 13/02/2011, Política, p. 3

Histórias das famílias que sobrevivem com apenas o mínimo mensal têm em comum a luta para pagar as contas do dia a dia e melhorar as condições de vida

Enquanto políticos, economistas e sindicalistas discutem o aumento do salário mínimo, previsto para ser votado no Congresso na quarta-feira, 7 milhões de famílias que sobrevivem com R$ 540 mensais seguem alheias à queda de braço no centro do poder. Ao enfrentar as dificuldades do dia a dia, essas pessoas gastam todo o rendimento com necessidades básicas, como água, luz, alimentação e o sonho da casa própria.

Trabalhadores como Denis Ramos, 23 anos, que sai de casa às 7h para ir ao emprego. Ele é o único da família de 10 pessoas que exerce atividade remunerada. Recebe um salário mínimo por serviços prestados ao posto de gasolina do bairro onde mora, no Setor Complementar de Indústria e Abastecimento da Estrutural. A mãe de Denis, Cláudia Maria Ramos, 48 anos, é quem controla o salário do filho.

A casa onde moram é simples e foi construída com o material aproveitado do aterro sanitário da região. Tapumes e madeiras desprezados de outras construções fazem as vezes de parede e dividem os cômodos da moradia. São dois quartos pequenos, uma sala e uma cozinha. O chão de terra batida também é coberto com tapumes e o telhado é de zinco. Os sete filhos e os dois netos de Cláudia Maria vivem na residência.

Nascida no Ceará, filha de um sapateiro com uma lavadeira, Cláudia Maria começou a trabalhar aos 8 anos. ¿Tinha que ajudar meus pais e trabalhava como empregada doméstica. Já apanhei muito de patroa e passei por muita humilhação¿, lamenta. David, 25 anos, e Denis, os dois filhos mais velhos, nasceram no Nordeste. Como muitas outras famílias, no fim da década de 1980, mudaram-se para Brasília, onde nasceram os outros cinco filhos ¿ Roberta, 17; Juliana, 16; Júlio Cesar, 15; Rafael, 13; e Michael Douglas, 9.

Cláudia Maria conta que o dinheiro do filho é usado para comprar alimentos e pagar as contas de água, luz e telefone. Na geladeira da família não há muita coisa. O leite, o café e o pão que conseguem pela manhã vêm da ajuda de uma vizinha de Cláudia Maria. No almoço, ela prepara arroz e feijão. ¿Coloco carne quando tem. E preparo uma salada, mas as verduras são caras e não é sempre que tem salada na mesa¿, diz.

Quando Cláudia Maria parou de trabalhar como doméstica, passou a separar resíduos no aterro sanitário. ¿Depois de muita humilhação e preconceito, fui para o lixo.¿ E completa: ¿Prefiro ficar lá (no aterro) do que voltar a trabalhar em casa de família¿. Mas devido a um problema de pele, ela abandonou a ocupação e hoje está desempregada.

Em janeiro, os R$ 510 que Denis recebia até o fim de 2010 passaram a R$ 540. Agora, com a iminência de o valor do novo salário mínimo ser fixado em R$ 545, a família faz planos para o extra no orçamento. ¿Qualquer dinheiro a mais fará diferença para nós. Mas o que eu mais queria era construir uma casa melhor¿, sonha.

Barraco Com o salário mínimo que recebe da aposentadoria, Devair Rodrigues de Aquino, 60 anos, mora em um lote no bairro Arapoanga, em Planaltina. Viúva há três anos, ela não se lembra do ano em que veio do interior de Goiás para Brasília. ¿Fui criada na roça. E vim para trabalhar em casa de família¿, conta, enquanto mostra o local onde mora. O barraco que construíram para ela tem apenas um cômodo. O teto é baixo e o chão, de terra batida. O lugar onde dorme fica próximo a uma fossa, que atrai ratos e ameaça a estrutura da casa.

Com o dinheiro da aposentadoria, ela compra comida, paga as contas e ajuda a filha, que mora no mesmo lote com o marido. Ambos estão desempregados. A filha do casal, Lidaiane, 16 anos, mora com a avó. ¿Eu pedi para ela vir dormir sempre comigo porque eu tenho medo de ficar aqui sozinha¿, diz, chorando. ¿À noite, os ratos passam pelas paredes. O que eu mais queria era sair daqui, mas o dinheiro não dá¿, lamenta.

No lado de fora do barraco há uma pilha de tijolos. ¿Tento comprar algum material para melhorar onde moro, mas não dá.¿ Como Cláudia Maria, com o aumento no valor do salário mínimo e, consequentemente, da aposentadoria, Devair investiria na residência. ¿Qualquer dinheiro que sobrasse seria para tentar construir uma casa¿, afirma, pontuando o retrato de uma vida que se assemelha à de outras milhões de pessoas espalhadas por todo o país e que sobrevivem com apenas um salário mínimo mensal.

Renda De acordo com a Pesquisa Domiciliar Socioeconômica de 2009 da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), 21,1% das famílias da Estrutural sobrevivem com até um salário mínimo de renda mensal. Em Planaltina, 19,7% da população encontram-se na mesma situação.