Título: O mundo aplaude e prende o fôlego
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 12/02/2011, Mundo, p. 25

Líderes de todo o mundo ¿ inclusive dos países e grupos aliados ao governo do ex-ditador ¿ parabenizaram o povo egípcio pela ¿grande conquista¿ representada pela saída de Hosni Mubarak e disseram torcer por uma transição democrática. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, afirmou que o Egito ¿não será mais o mesmo¿ após a queda de Mubarak, mas previu ¿dias difíceis¿ neste momento, que, segundo ele, é ¿apenas o começo¿ do processo de mudança. Em Brasília, o assessor de assuntos internacionais da Presidência, Marco Aurélio Garcia, disse que o governo brasileiro vê com ¿muita simpatia¿ o fortalecimento do movimento democrático no Egito e considera uma ¿vitória importante¿ da população a queda de Mubarak. O mercado internacional também reagiu bem à queda do presidente, com altas nas principais bolsas de valores.

Da Casa Branca, Obama disse que o colega egípcio respondeu à ¿fome de mudanças¿ da população. ¿O povo se manifestou, sua voz foi ouvida e o Egito nunca mais será o mesmo¿, afirmou, destacando que a população só permitirá que ascenda no país uma ¿democracia genuína¿. Ele afirmou, contudo, que o caminho não será fácil. ¿Muitas questões permanecem sem resposta. Mas estou confiante de que o povo do Egito pode encontrar as respostas, e fazê-lo de forma pacífica¿, disse. Aos militares, Obama pediu a garantia de uma transição de poder que ¿tenha credibilidade aos olhos do povo egípcio¿.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, felicitou os egípcios pelo modo ¿pacífico, corajoso e ordeiro¿ como exerceram seus direitos. ¿A voz do povo, sobretudo da juventude, foi ouvida, e são eles que vão determinar o futuro do país¿, afirmou. Coragem foi a palavra usada pelo presidente francês, Nicolas Sarkozy, mas para definir a ação de Mubarak. ¿A França presta tributo a essa decisão corajosa e necessária (de deixar o poder)¿, declarou. Para a União Europeia, a queda de Mubarak abre caminho para ¿reformas mais rápidas e profundas¿ no país árabe.

No Brasil, o Itamaraty lançou um comunicado que não menciona diretamente a saída de Mubarak, mas manifesta a expectativa de que a transição política transcorra ¿dentro do respeito às liberdades políticas e civis e aos direitos humanos da população¿. O assessor da Presidência foi mais enfático: ¿Evidentemente, não é um episódio encerrado, mas hoje houve uma vitória importante das reivindicações populares, com a saída do presidente Mubarak¿.

Os grupos radicais islâmicos Hamas e Hezbollah também comemoraram a queda do presidente egípcio, que pode abrir caminho para um regime muçulmano. Na Faixa de Gaza, onde a queda do mandatário foi comemorada em todo o território, o porta-voz do Hamas, Sami Abu Zuhri, saudou ¿o começo da vitória da revolução egípcia¿. Nas ruas de Beirute também houve buzinaços e até fogos de artifício após o anúncio no Cairo. ¿O Hezbollah parabeniza o grande povo do Egito por esta histórica e honrosa vitória, que é o resultado de sua revolução pioneira¿, disse um comunicado.

O governo israelense, que agora vê mais motivos para se sentir ameaçado, limitou-se a dizer que espera não haver mudanças na relação pacífica que mantém com o Egito. ¿É muito cedo para prever como isso vai afetar as coisas. Esperamos que a mudança para a democracia ocorra sem violência, e que o acordo de paz (de 1979) continue em vigor¿, disse um alto oficial israelense.

A balança do poder Quem são os personagens centrais da transição política no Egito:

Mohammed Hussein Tantawi O atual ministro da Defesa chefia o Conselho Supremo das Forças Armadas, que assumiu de imediato o papel central no comando da transição. Marechal e dono de longa carreira militar, como os quatro presidentes do Egito moderno, já era cotado para disputar a sucessão de Mubarak em setembro. Opositores se referiam a Tantawi como o ¿cachorrinho¿ do agora ex-presidente.

Mohammed ElBaradei Diplomata de longa carreira internacional, ganhou fama mundial após ter sido laureado com o Prêmio Nobel da Paz de 2005, como diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Retornou ao país no início da onda de protestos e apresentou-se como candidato a liderar a oposição ao regime.

Amr Mussa Também diplomata, ex-chanceler no próprio governo de Mubarak, o atual secretário-geral da Liga Árabe é visto em círculos do Oriente Médio como o nome mais adequado a governar o Egito, pelas sólidas conexões externas que colecionou. Desde o ano passado, diante das indicações de que o presidente não tentaria nova reeleição, seu nome era cogitado para a sucessão.

Irmandade Muçulmana A tradicional organização fundamentalista tem presença de décadas na vida político-social do Egito, embora seja formalmente banida. Na eleição parlamentar de 2005, apresentou candidatos na condição de independentes e elegeu 88 deputados, cerca de 20% do Parlamento. Até aqui, sinalizou que não se lançaria a disputar o poder, mas já participou de conversações sobre a transição e tende a jogar um papel crescente no desenrolar do processo político.

Regime do Irã festeja em dobro A data para a renúncia de Hosni Mubarak não poderia ter sido mais simbólica para o Irã, um dos países mais interessados na queda do regime egípcio. O anúncio veio no dia em que Teerã comemorava os 32 anos da vitória da revolução liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini sobre o xá Mohammad Reza Pahlavi. Para as autoridades iranianas, essa é a evidência mais concreta de que a Revolução Islâmica de 1979 influenciou o recente levante nos países árabes, em especial no Egito. Antes mesmo do comunicado oficial, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, afirmou, diante da multidão que celebrava na Praça Azadi (Liberdade), em Teerã, que ¿um novo Oriente Médio¿ está surgindo.

¿Em breve, veremos um novo Oriente Médio se materializando, sem os Estados Unidos e o regime sionista, e nele não haverá espaço para a arrogância mundial¿, afirmou Ahmadinejad, usando a expressão habitual para referir-se às grandes potências. ¿Digo aos povos e aos jovens dos países islâmicos e árabes, em particular aos egípcios: permaneçam alertas. Vocês têm direito à liberdade, a escolher seu governo e seus dirigentes¿, completou.

O presidente deixou explícita a certeza sobre a influência do exemplo iraniano na ebulição política que levou à queda do ditador egípcio. ¿A mensagem da Revolução Islâmica foi transmitida durante os últimos 32 anos ao mundo, e os espíritos e corações despertaram agora¿, afirmou.

¿Vitória do povo¿ Teerã considerou a saída de Mubarak uma ¿grande vitória do povo¿ egípcio, e disse esperar que todas as demandas da população sejam atendidas. Em um comunicado, o chanceler Ali Akbar Salehi afirmou que os militares egípcios precisam se unir à população em seu movimento por democracia e independência. ¿O Exército deverá desempenhar o seu papel histórico neste momento crítico, considerando sua brilhante tradição de luta contra a opressão e as violações do regime sionista, e satisfazer as exigências de sua grande nação.¿

Em Teerã, a celebração tradicional do aniversário da Revolução Islâmica foi utilizada também como manifestação de apoio à rebelião egípcia. Entre as dezenas de milhares de pessoas que saíram às ruas durante todo o dia, muitas exibiam bandeiras iranianas e retratos do imã Khomeini e do aiatolá Ali Khamenei, atual guia supremo. Algumas gritavam ¿morte a Mubarak¿ e ¿morte à América¿. ¿A população iraniana claramente apoia a população do Egito, e esta passeata, que é de toda a população iraniana, de todos os partidos, é uma demonstração disso¿, disse ao Correio o embaixador do Irã no Brasil, Mohsen Shaterzadeh. O governo iraniano, no entanto, não permitiu que a oposição reformista autorizasse a realização de marchas paralelas em apoio ao Egito. (IF)