Título: Proposta do Tesouro dos EUA fortalece os bancos centrais
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 02/04/2008, Finanças, p. C14

As propostas do Departamento do Tesouro americano significam uma evolução importante na regulação e supervisão do sistema financeiro dos Estados Unidos e dão nova dimensão ao debate a respeito da efetividade de se concentrar essas responsabilidades nos bancos centrais.

A opinião é de Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da consultoria Tendências. Segundo Loyola, as peculiaridades da formação da nação americana, caracterizada pela descentralização do poder e federalismo, explica em boa parte a profusão de agências reguladoras no país. "Os Estados Unidos são vistos como um ponto fora da curva nessa questão. Há um grande número de agências e pode haver falta de coordenação", disse Loyola.

Outro problema do sistema americano é ter reguladores excessivamente especializados "em clientelas", o que fica "sem sentido com o crescente dinamismo do mercado". Por esse motivo, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) regula os bancos comerciais mas não instituições tão importantes para o sistema financeiro como o fundo hedge LTCM, que quebrou em 1998.

A proposta do Tesouro americano aproxima a estrutura de fiscalização e regulação do sistema financeiro americano ao quadro que prevalece no Brasil, basicamente mais enxuta, com o o Banco Central (BC) sendo responsável pela "regulação da estabilidade financeira e também pela defesa do consumidor", disse Loyola.

A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) acumula os papéis da Securities and Exchange Commission (SEC) e da Commodity Futures Trading Commission (CFTC) - dois organismos que o Tesouro americano pretende ver fundidos - e seu raio de ação inclui ainda a supervisão dos fundos mútuos.

Faz ainda parte da estrutura brasileira o Cade, que cuida da concorrência.

Para Loyola, uma lição que o Brasil poderia aproveitar seria a junção das tarefas da Susep, que cuida das empresas de seguros e dos fundos abertos de previdência privada, com a Secretaria da Previdência Complementar (SPC), responsável pelos fundos fechados.

O ex-presidente do BC é categórico ao afirmar que o único exemplo a não ser seguido é o modelo da Inglaterra, que deixou o banco central responsável exclusivamente pela política monetária e risco sistêmico, e concentrou em um órgão em separado, a Financial Services Authority (FSA), a atividade de regulação de todos os fornecedores de serviços financeiros.

O presidente da Ordem dos Economistas do Brasil, Francisco Coelho, também notou que a proposta do Tesouro americano transforma o Fed no supervisor "umbrella", com superpoderes, em um momento em que os bancos centrais de outros países estão deixando a função de supervisão - tema alvo de discussão no Banco para Compensações Internacionais (BIS).

Coelho disse que uma das raízes da atual crise financeira americana foi a terceirização das vendas de crédito imobiliário, o que abriu espaço para muitas fraudes na avaliação do risco dos clientes.

Segundo informações obtidas por Coelho junto a autoridades americanas, os ativos lastreados em hipotecas somam US$ 12 trilhões, dos quais 73% de contratos residenciais, de um total de US$ 60 trilhões em ativos financeiros. Além disso, muitas hipotecas foram feitas a taxas flutuantes, com postergação dos juros.

A securitização proliferou como estratégia fiscal e com o objetivo de reduzir as exigências de capital dos bancos porque permite tirar as operações dos balanços e vender os pacotes no mercado de capitais.

Quando o mercado começou a dar sinais de estresse, os bancos passaram a perder capital e frearam a concessão de outros empréstimos, comprometendo a liquidez. "O problema extrapolou as fronteiras e adquiriu um caráter sistêmico", disse Coelho.