Título: EUA negociam acordos bilaterais "com quem está pronto", diz Allgeier
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, Brasil, p. A5

Se o Brasil e o Mercosul quiserem negociar com os Estados Unidos um acordo de livre comércio na base de 4+1 para destravar a Alca, terão de aceitar as condições americanas de acordo "amplo e de elevada ambição" que inclui regras mais duras para proteger patentes e investimentos. Foi basicamente esta a mensagem dada ontem por Peter Allgeier, vice-chefe do USTR (a agência de representação comercial americana) e co-presidente das negociações da Alca junto ao brasileiro Ademar Bahadian. "Todo mundo sabe qual é o tipo de acordo de livre comércio que fazemos", disse Allgeier em conversa com jornalistas brasileiros. ´´Se há qualquer dúvida sobre isso, basta ver nossos acordos com Chile, Cingapura e todos os demais. Allgeier repetiu que Washington faz acordo comercial com ´´quem está pronto´´ - ou seja, com quem está disposto a negociar não apenas acesso a mercado (corte de tarifas e redução de cotas), que é só o que o Brasil quer. Mas negociar também regras mais duras para proteger patentes e investimentos das empresas americanas, como fizeram os chilenos e estão agora fazendo países do Caribe do Pacto Andino. Em Davos, há duas semanas, os EUA rechaçaram a proposta brasileira de negociação 4+1 limitada a acesso ao mercado, que para o Itamaraty poderia facilitar mais tarde negociação de regras desejada pelos americanos. Nos próximos dias 23 e 24, Allgeier e Bahadian voltam a se reunir para tentar desbloquear a negociação hemisférica. A criação da Alca está paralisada há quase um ano por causa do impasse entre Brasília e Washington. O Mercosul quer que os EUA retirem ou compensem os subsídios nas suas exportações agrícolas. Os americanos são muito ambiciosos em serviços e em regras. E Brasília vê isso como ameaça, por exemplo, para a indústria de genéricos. Allgeier indica que os EUA não vão se mover. Reitera que a base para a negociação é o acordo de Miami, o que significa, ao seu ver, que deve procurar com Bahadian devem procurar "montar um esquema" para trazer a mesa de discussão tanto questões agrícolas como patentes, prioridades dos dois lados. Segundo fontes, a maioria dos outros países vem pedindo para Brasília e Washington resolverem suas diferenças entre eles. Mas há poucas esperanças, lamenta o subsecretário de Negociações Comerciais Internacionais do México, Angel Villalobos. Ele avalia que são restrições políticas, e não comerciais, entre Brasília e Washington que bloqueiam a Alca. E essas restrições políticas dos governos Lula e Bush são tão grandes que só mesmo "um milagre" na semana que vem em Washington poderia permitir a retomada da Alca. "A única maneira de destravar a Alca passa pelo que acontecer na Rodada de Doha (na OMC)", estima. No momento em que Villalobos conversava com alguns jornalistas, Allgeier apareceu na OMC e em tom de brincadeira apontou para o mexicano dizendo em espanhol: "É tudo mentira". Depois dos abraços, Villalobos contou ao americano que falava sobre necessidade de milagre na Alca. "Mais um?", disse Allgeier. E no mesmo tom de brincadeira, falou: "Yo soy mexicano". Por sua vez, falando na condição de não ter seu nome publicado, um importante negociador latino-americano atribuiu ao governo Lula a culpa por "estar freando a Alca ao colocar prioridades políticas acima do pragmatismo comercial e econômico´´. Exemplificou: ´´Quando Celso Amorim propôs a Robert Zoellick (principal negociador americano) a negociação Mercosul-EUA (4+1), está renunciando a Alca, dizendo que essa negociação não lhe interessa. Com 4+1, o Brasil tem acesso ao mercado americano, então para que vai querer a Alca?". Para o negociador, o bloqueio está provocando o pior cenário, ´´que é os EUA negociarem também bilateralmente com o Pacto Andino, o grupo do Caribe etc´´. O resultado, diz, é que "o Mercosul está ficando sozinho e os industriais brasileiros estão preocupados". Já o Itamaraty diz que quer o 4+1 focalizado em acesso ao mercado porque os EUA já estão fazendo isso com outros países da região.