Título: Disputa leva governo a fazer concessões
Autor: Maria Lúcia Delgado e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, Política, p. A7

Nos momentos finais da eleição à presidência da Câmara, o governo foi obrigado, conforme relato dos próprios parlamentares, a intensificar as negociações políticas e firmar compromissos de votações de projetos, nomeações em autarquias e estatais, e dotações orçamentárias especiais para garantir a vitória do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP). Como fruto dessas negociações, o Executivo confiava na possibilidade de eleger Greenhalgh no primeiro turno, com cerca de 270 votos. Até o fechamento desta edição, apenas 260 deputados tinham votado e estavam presentes em plenário 498 dos 513 parlamentares. A Mesa Diretora chamava pelo microfone cada deputado, nominalmente, para comparecer à cabine de votação. Por volta de 21h, houve um blecaute no plenário, provocando tumulto e a interrupção da sessão. Um funcionário lançou o corpo sobre a urna para evitar fraude na escuridão. Em alguns minutos, a normalidade foi estabelecida e a votação retomada. Horas antes da votação, os candidatos fizeram reuniões com segmentos políticos diversos. A polêmica Medida Provisória 232 - que onera o setor de serviços e agroindústria - foi usada como um instrumento de negociação pelo governo, que está ciente da necessidade de ceder e reduzir a tributação para atender ao setor produtivo. Em encontro com a bancada ruralista, Greenhalgh recebeu documento em que constam 11 projetos de lei cujas votações são reivindicadas pelo setor. O candidato concordou com algumas teses ruralistas, mas não selou um acordo explícito com a bancada. Uma das exigências, por exemplo, é que seja alterado o texto da proposta de emenda constitucional que expropria terras em que for constatado trabalho escravo. A bancada exige ainda uma posição clara do governo sobre a reforma agrária, quer reduzir a tributação sobre o setor e já sinaliza que no futuro vai pressionar o governo para abrir uma linha de financiamento e refinanciamento de dívidas agrícolas (ver matéria abaixo). Greenhalgh também se encontrou com a bancada de evangélicos. Para conquistar a simpatia deste segmento, o candidato do governo sinaliza com a possibilidade de sugerir a retirada do projeto de biossegurança o artigo que permite a pesquisa científica com embriões. Além destas promessas políticas, o Executivo pode liberar, nos próximos dias, pelo Ministério da Saúde, uma verba para instalação de centros de odontologia e ginecologia, o que deve beneficiar empreiteiras com execução de obras e render dividendos políticos em bases eleitorais dos deputados. A interferência do Executivo no processo eleitoral foi a principal tônica dos discursos dos candidatos. Criticado por todos os adversários, Greenhalgh afirmou em discurso no plenário que vai manter a independência e a autonomia do Legislativo. "Quando houver momento de tensão, não hesitarei em dizer: é o Parlamento que eu represento", disse o petista na tribuna. "O Parlamento não pode mais ser sufocado por medidas provisórias", bradou. O processo eleitoral foi iniciado às 16h15 de ontem. As horas que antecederam a sessão no plenário foram marcadas por questionamentos sobre a lisura do processo eleitoral. Por acordo entre todos os candidatos - Greenhalgh, Virgílio Guimarães (PT-MG), Severino Cavalcanti (PP-PE), Jair Bolsonaro (PFL-RJ) e José Carlos Aleluia (PFL-BA) -, ficou decidido que os deputados retirariam envelopes rubricados pela presidência após assinar uma lista de presença. As cédulas foram impressas após as 15h. Essas exigências foram feitas pelos candidatos, que levantaram suspeitas de fraudes. Em reunião tensa pela manhã com o presidente da Casa, João Paulo Cunha, os candidatos trocaram farpas. Virgílio disse a João Paulo que haveria fraude e o processo não seria transparente. Irritado, João Paulo perguntou se o mineiro estava chamando os deputados de picaretas e sugeriu a votação aberta. O único que se manifestou contra foi Severino Cavalcanti. O voto aberto permitiria ao governo monitorar o grau de fidelidade dos aliados. Circularam rumores de que havia cédulas marcadas e que os líderes da base as entregariam aos deputados para garantir o voto em Greenhalgh. Todos os candidatos discursaram. "A governabilidade do país deve ser saudável, a partir da auto-estima da Casa", disse Virgílio Guimarães. Ele ignorou os apelos finais do presidente nacional do PT, José Genoino, e da Executiva Nacional de seu partido para que retirasse a candidatura. Resolução oficial da Executiva estabelece que a candidatura de Greenhalgh é decisão de bancada, abrindo a possibilidade para que a candidatura de Virgílio seja considerada uma desobediência e ato de infidelidade, cabendo punição. Severino Cavalcanti foi o único tratar abertamente no seu discurso do salário e vantagens de deputados: "Não tenho medo de enfrentar de peito aberto o problema da remuneração parlamentar. Vamos cumprir as leis do país que nos garantem equivalência salarial com os ministros do Supremo Tribunal Federal (de R$ 21 mil)". O discurso mais agressivo foi o de Bolsonaro, que atacou Greenhalgh, acusando-o de não ter independência para presidir a Casa. Ele agrediu o petista e questionou sua postura como advogado, chegando a dizer, inclusive, que ele defendeu seqüestradores. Aleluia fez um discurso duro contra o governo, questionando o papel do Legislativo e acusando o Executivo de exorbitar a cobrança de impostos.