Título: Para Brasil, Índia atrapalha acordo Sul-Sul
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2008, Brasil, p. A4

Embaixador Clodoaldo Hugueney, sobre o acordo Sul-Sul: "A Índia está sendo muito negativa nessa negociação" O Brasil aponta a Índia como o principal obstáculo à conclusão de um acordo Sul-Sul, para reduzir tarifas no comércio entre nações em desenvolvimento. Brasília quer fechar as bases do acordo durante uma grande reunião da Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), de 20 a 25 deste mês em Acra (Gana), com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Ocorre que Nova Déli adota uma posição considerada tão defensiva que ameaça esvaziar as vantagens de um entendimento comercial entre as quase 40 nações em desenvolvimento participantes. "A Índia está sendo muito negativa nessa negociação", disse ao Valor o embaixador brasileiro Clodoaldo Hugueney. "É incompreensível, porque tem um discurso favorável ao comércio Sul-Sul, mas na prática adota posição extremamente defensiva."

Estará na mesa de negociação, para decisão dos ministros em Acra, corte tarifário entre 20% e 30% - bem inferior aos 50% defendidos inicialmente pelo Mercosul, que teve de baixar sua ambição para tentar um acordo.

Mas Nova Déli, além de resistir a essas cifras, quer excluir 30% de suas tarifas de qualquer corte, reduzindo a cobertura do acordo. O Brasil reconhece que se deve levar em conta a sensibilidade de certos setores domésticos. Mas defende que as exceções sejam mínimas. A posição defensiva da Índia é tanto na agricultura como na área industrial, avalia o embaixador Hugueney.

Nas negociações que prosseguem em Genebra, a delegação indiana diz não ter orientação da capital para mudar de posição. A expectativa é de o ministro de Comércio, Kamal Nath, flexibilizar em Acra, para evitar um fiasco também no Sul-Sul.

Se houver acordo em Acra, os países voltam a negociar em Genebra já na base de pedidos e ofertas de liberalização entre os que desejarem abertura maior. O objetivo é encerrar a rodada em dezembro.

A base para um acordo é a "margem de preferência": se o corte tarifário definido for de 25%, significa que exportações do Brasil para a Malásia e vice-versa, por exemplo, terão redução de taxa nesse percentual, enquanto países fora do acordo continuarão submetidos à alíquota normal.

Estudo da Unctad estima que uma redução de 20% nas alíquotas dos países participantes resultaria em comércio adicional de US$ 7,7 bilhões por ano. O ganho maior ficaria com a Ásia (US$ 5,8 bilhões), porque o crescimento das trocas ocorre sobretudo entre países da mesma região e a integração entre os asiáticos é forte.

Para o Brasil, que considera as estimativas exageradamente modestas, o acordo pode ajudar a obter mais fatias também na América Latina. O comércio entre os países participantes hoje é composto em mais de 90% de produtos não agrícolas, nos quais a média tarifária varia de 14% a 18%. Os agrícolas são apenas 8% do total, por causa da forte proteção ao setor.

Para a Unctad, um acordo deveria ser teoricamente facilitado diante da complementaridade entre os países, com a Ásia especializada em têxteis e confecções, a América Latina em alimentos e a África em minerais. Na prática, o temor entre eles próprios é grande e questiona os discursos do presidente Lula, de se apoiar no Sul-Sul para mudar "a geografia comercial global".

Além do Brasil, Índia e Argentina, outros grandes países em desenvolvimento ativos na negociação são Coréia do Sul, Indonésia, Tailândia, Malásia, Egito, Argélia, México, Paquistão, Irã e Nigéria.

A expectativa é de, uma vez fechado o acordo, outras nações decidam entrar, como a África do Sul. A China, no entanto, está fora, para alívio de muitos países que não queriam dar vantagem adicional para a entrada de produtos baratos chineses em seus mercados.