Título: Transporte urbano mobiliza debate eleitoral
Autor: Junqueira , Caio ; Bueno , Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2008, Política, p. A8

No ano em que o trânsito bateu sucessivos recordes de congestionamento em várias capitais do país, o transporte urbano deve se transformar num dos mais acirrados temas de debate da campanha eleitoral. Desde as últimas eleições municipais, a frota nacional de veículos cresceu 27%. Esse crescimento, impulsionado pelo financiamento facilitado, levou a mais municipal das políticas públicas, o transporte público, a deixar de ser um problema exclusivo das faixas de renda que dele dependem para se transformar também numa preocupação de classe média.

Com quase seis milhões de veículos nas ruas, São Paulo terá um debate marcado pela radicalização da disputa política. Os três principais partidos que pretendem lançar candidato -PT, PSDB e DEM- participaram de maneira direta ou indireta da administração da cidade nos últimos dez anos e já buscam culpados pela situação. A discussão programática deve ceder lugar à troca de farpas e busca de culpados pela situação, que, calcula-se, gera um prejuízo anual que o economista da Fundação Getúlio Vargas, Marcos Cintra, calcula em R$ 30 bilhões.

Dos três, o PT, que deve lançar candidata a ministra do Turismo, Marta Suplicy, prefeita entre 2001 e 2004, é o que se julga em posição mais confortável para atacar tanto a provável candidatura do tucano Geraldo Alckmin, que governou o Estado de 2001 a 2006, quanto do prefeito Gilberto Kassab (DEM), que deve tentar a reeleição. "Nossas críticas à gestão Serra-Kassab se basearão em não terem dado continuidade aos corredores de ônibus que a Marta introduziu. E só foram se preocupar com trânsito após os recordes de engarrafamento. Já Alckmin participou dos 12 anos dos tucanos no Estado e foi o que menos fez metrô", afirma o presidente municipal do PT, vereador José Américo.

Secretário de Transportes Metropolitanos na gestão Alckmin e atual presidente da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, Jurandir Fernandes é o principal técnico em transportes ligado aos tucanos. Para ele, o futuro prefeito terá de investir em corredores de ônibus, mas corredores "de verdade". "Tem que ser exclusivos mesmo, sem taxi, autoridades ou polícia, não parar nos cruzamentos e ter possibilidade de ultrapassagem."

Sobre as críticas à gestão Alckmin, Fernandes diz que se trata de "oportunismo político". "Temos 20 km de linhas que ficarão prontas até 2010. Tem que considerar não linhas inauguradas, mas colocadas em obras. Retomamos a linha 2 e demos início à linha 4 do metrô, além da linha de trem de Osasco a Grajaú."

Kassab vai explorar o aporte de recursos no metrô - o que a Prefeitura de São Paulo não fazia há 30 anos - que pode vir a chegar a R$ 1 bilhão, além da ampliação em duas horas do rodízio de veículos na cidade.

No Rio, há cerca de 240 novos veículos a mais circulando diariamente na cidade, em um espaço limitado geograficamente pelo mar e pelas montanhas. Para o secretário municipal de trânsito, Arolde de Oliveira, os candidatos precisarão se ater em especial ao intenso crescimento mobiliário e comercial das regiões que agregam Jacarepaguá, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes. "Há novos pólos de tráfego que não estavam previstos nos planejamentos urbanos anteriores. Todas as vias chegaram ao limite. Esgotaram-se as possibilidades de duplicação", diz.

Como exemplo, cita o túnel Rebouças, inicialmente projetado para 80 mil veículos diários e por onde hoje passam mais de 200 mil; e a linha amarela, projetada para menos de 100 mil e hoje com fluxo de 200 mil veículos/ dia. "As obras que devem centrar o debate nesta área são algumas poucas duplicações, além da criação de corredores de ônibus e aquisição de ônibus interligados." O secretário também aponta o alto índice de idosos na cidade como fator que piora o tráfego. "Há cada vez mais idosos se habilitando a dirigir. E eles dirigem com mais cautela, os reflexos já não são os mesmos. Acabam dirigindo mais devagar."

Na capital gaúcha, a velocidade média dos ônibus nos corredores chega a 23 km/ h, quase 30% acima do melhor desempenho registrado em São Paulo. "Porto Alegre vive uma situação razoavelmente confortável", afirma o secretário de Mobilidade Urbana, Luís Afonso Senna. Segundo ele, a velocidade nos corredores de ônibus vem se mantendo estável. Ainda assim, melhorar o transporte coletivo para estimular a redução do uso dos automóveis e evitar, no futuro, a necessidade de rodízio é a bandeira comum aos candidatos. Todos também defendem a construção do metrô.

Uma das metas do prefeito José Fogaça (PMDB), possível candidato à reeleição, é implantar os "Portais da Cidade", que prevêem a construção de três estações de transbordo de onde partirá uma linha tronco para atender a área central da cidade.

Para a candidata do PT à prefeitura, a deputada federal Maria do Rosário, é preciso reverter a redução do número de usuários do sistema, de 33 milhões para 25 milhões por mês nos últimos dez anos. Rosário defende a criação de linhas que ligam bairros entre si sem passar pelo centro, maior freqüência dos ônibus, um controle mais rigoroso das planilhas de custos das empresas e até a ampliação de subsídios para, por exemplo, portadores de deficiência.

A deputada federal Luciana Genro (PSOL) defende uma auditoria nas planilhas de custos para verificar se as margens de lucro das empresas não estão "exageradas". Segundo ela, de janeiro de 2001 a agosto de 2007 (sem incluir o reajuste de fevereiro deste ano) as tarifas subiram 114%, enquanto o IPCA aumentou 59%. A deputada admite ainda conceder isenção aos trabalhadores desempregados com subsídio integral para evitar impacto nos preços pagos pelos demais usuários.

Candidata pelo PCdoB, a deputada federal Manuela D'Ávila também vê na implantação do metrô uma "pauta urgente" para a futura administração, desde que combinada com o sistema de ônibus e ciclovias. Melhorar o conforto e a freqüência dos ônibus, qualificar os profissionais do setor e exigir mais investimentos das empresas são propostas do candidato do DEM, o deputado federal Onyx Lorenzoni.

Em Florianópolis, as últimas pesquisas da prefeitura apontam a questão viária como uma das principais preocupações da cidade. O prefeito Dário Berger (PSDB), candidato à reeleição, criou a tarifa única e fez algumas obras que melhoraram o fluxo de veículos. Entretanto, a cidade ainda carece de transporte marítimo em ligações importantes entre a ilha e o continente, hoje feita por duas pontes: Colombo Salles e Pedro Ivo Campos. A ponte Hercílio Luz, cartão postal de Florianópolis, está desativada. Além da falta de transporte marítimo, Florianópolis não possui um sistema cicloviário. Há trechos de ciclovias, que dificilmente se conectam. Para a oposição, Berger não fez investimentos necessários. "É visível que os acessos à cidade estão saturados. Essa ligação não recebe investimentos desde a década de 90, quando foi inaugurada a última ponte", diz Joares Ponticelli, presidente do PP em Santa Catarina.

No Recife, a situação do trânsito é tão caótica que a Câmara Municipal deve votar, este mês, um projeto do vereador Liberato Costa Júnior (PMDB) para a implantação de rodízio, inspirado no modelo paulistano. A principal diferença, porém, é que no Recife a proibição de circulação será durante o dia todo, e não apenas nos horários de pico. A restrição não atingiria o bairro de Boa Viagem, cujas principais vias ficam paradas diariamente. "Recife tem apenas 200 quilômetros quadrados e não tem mais por onde crescer. Foi se expandindo verticalmente", diz.

Os candidatos temem a reação do eleitorado à medida. Para o candidato do PMDB, Raul Henry, a restrição à circulação de carros ainda precisa ser melhor avaliada. De acordo com o deputado federal, o pedágio no centro da cidade pode ser uma alternativa ao rodízio. "Mas ainda estamos avaliando para montar o programa de governo." O que ele dá como certo em suas ações, caso seja eleito, são os investimentos em obras públicas voltadas para novas vias na cidade, além da ampliação do transporte coletivo.

Para Mendonça Filho (DEM), a solução para amenizar o trânsito no Recife está em ampliar a "mobilidade dos cidadãos" . O candidato pretende incentivar os recifenses a andarem mais, por exemplo. "Em muitas áreas, Recife não tem calçadas. Pretendemos municipalizar as calçadas das principais vias que hoje estão sob responsabilidade privada", explica. Uma nova via ligando o centro da cidade ao bairro de Boa Viagem também está nos planos do ex-vice-governador. Ele descarta o rodízio: "Não vejo necessidade no curto prazo." Um dos poucos candidatos que não se recusa a admitir o rodízio é o deputado federal Cadoca (PSC). "Ainda precisa ser mais estudado, mas pode ser uma saída em uma situação de emergência."

Em Belo Horizonte, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel (PT), conseguiu autorização da Câmara Municipal para vender a participação acionária que o município tinha na Copasa, a estatal de saneamento básico. Uma grande parte dos recursos será utilizada na conclusão de obras viárias. Com a proposta aliviar o trânsito no centro, o prefeito se envolveu em projetos polêmicos como a transferência da rodoviária para a zona oeste. A proposta, já aprovada, esbarra nos interesses dos comerciantes do centro.

Um dos possíveis candidatos a substituir Pimentel, o secretário estadual de desenvolvimento econômico Márcio Lacerda (PSB), já levou à ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, proposta para retomar as obras do metrô, atrasadas há mais de duas décadas, num modelo de Parceria Público Privada, com contrapartida das três esferas de governo. Além da conclusão da primeira linha, Lacerda defende a construção da segunda, que levaria o metrô até a Savassi, tradicional e refinado centro de compras da capital mineira.(Colaborou Raquel Salgado, de Salvador)