Título: Multinacionais brasileiras e o crescimento sustentado
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, Opinião, p. A9

Empresas brasileiras investiram em 2004 cerca de US$ 9,5 bilhões no exterior, segundo estimativas da Unctad. A notícia revela uma transformação estrutural de fundamental importância que algumas empresas brasileiras estão iniciando, revelando o caminho do crescimento sustentado para nossa economia. Revela como contornar, com presença no exterior, os obstáculos que as empresas brasileiras encontram no país para crescer. O estoque acumulado de investimentos brasileiros no exterior alcançou, em 2004, US$ 66 bilhões, que representam apenas 11% do PIB, índice inferior à média dos países em desenvolvimento, e insignificante em relação ao tamanho da nossa economia. Entretanto, é o início de um processo de mudança, que certamente será seguido por muitas outras empresas. Chamo de empresas multinacionais brasileiras aquelas que nasceram e que têm como principal base de operações o Brasil. Ou seja, refiro-me àquelas empresas que estão ampliando de fato operações produtivas com plantas no exterior. Essas empresas se "multinacionalizaram" para contornar os obstáculos ao crescimento encontrados no mercado interno. Exemplos típicos são são os casos do Grupo Votorantim, CSN e Gerdau. O primeiro obstáculo ao crescimento é o fraco crescimento da demanda real, particularmente da indústria. Nos últimos 22 anos (de 1981 a 2003), o produto da indústria de transformação cresceu a uma taxa média de apenas 1,2% ao ano, menos que a população. Com a forte recuperação em 2004 a taxa média será maior, mas inferior ao crescimento da população. Os índices de utilização da capacidade instalada também mostram uma crônica insuficiência de demanda real. Enquanto na década de 70, o nível médio de utilização da capacidade instalada foi de 86,4%, na de 80, foi de 77,6%, e na de 90, 79,8%. Como a economia brasileira cresceu menos do que a mundial, empresas que querem crescer rapidamente procuram o mercado externo mais dinâmico como saída, mas a taxa de câmbio valorizada tem sido outro obstáculo ao crescimento. A taxa de câmbio tem sido instável e com uma tendência a valorização, particularmente depois de 1992, com a abertura da conta de capital. Não é por acaso que foram os setores que têm competitividade baseada em recursos naturais abundantes que conseguiram expandir as exportações com maior vigor e presença significativa no mercado internacional. E também não é por acaso que as três empresas multinacionais brasileiras mencionadas acima operam em setores como mineração, suco de laranja, celulose, cimento e aço. Nesses segmentos, o generoso subsolo, sol e chuva brasileiros dão competitividade mesmo com taxa de câmbio valorizada. O segundo obstáculo ao crescimento é a distorcida e excessiva tributação, mesmo quando comparada a países desenvolvidos. Exportações e transferência de fases da produção para o exterior permitem contornar o problema. O nosso sistema tributário é tal que as empresas para crescerem e terem competitividade nos mercados que crescem (exterior), transferem para o exterior as fases de maior agregação de valor para fugir à tributação. O terceiro obstáculo é o chamado "risco Brasil". Ao longo das últimas décadas, as empresas brasileiras têm pago as mais altas taxas de juros do mundo. Isso é verdade para a taxa de juros interna e para a internacional. Nesse último caso, em função do "risco Brasil". Além disso, fontes de financiamento a longo prazo são escassas. Uma empresa brasileira só obtém financiamento pagando 4% a 6 % acima do que pagaria uma empresa similar, com mesmo risco de negócio, sediada nos EUA ou Europa, simplesmente em função do "risco Brasil".

Com controle de empresas no exterior, companhias brasileiras obtêm acesso a mercados mais eficientes para financiar suas operações

Setores que dependem de financiamento a longo prazo podem se tornar inviáveis se não conseguirem contornar o problema. Dessa forma, investimento no exterior ou aquisição de empresa no exterior é a forma que algumas empresas encontraram para contornar o "risco Brasil". Votorantim, Gerdau e CSN adquiriram empresas no exterior e, através delas, obtêm financiamentos pagando taxas de juros até 7,5% abaixo das taxas reais no Brasil. Essa estratégia permite também contornar o quarto obstáculo ao crescimento, que é o nosso mercado financeiro. A sua ineficiência se traduz em taxas de juros e "spreads" elevados e escassez de crédito, particularmente de longo prazo. Com controle de empresas sediadas no exterior torna-se possível às empresas brasileiras utilizarem mercados financeiros muito mais eficientes para financiarem as suas operações. Finalmente, o quinto obstáculo ao crescimento das empresas é a excessiva volatilidade, instabilidade e crises a que está sujeita a economia brasileira, que tornam o planejamento impossível e encurtam os horizontes. Essa característica foi agravada com a abertura da conta de capital no início de 1990 e ficou sujeita a "booms" de entrada de capital com súbitas reversões no fluxo de capital com conseqüências danosas para a economia brasileira. É um processo no qual a economia real fica sujeita às mesmas volatilidades e instabilidades do mercado, aumentando enormemente as incertezas num horizonte mais longo, necessário para tomada de decisões de investimento. A saída para reduzir essa volatilidade e instabilidade são operações produtivas no exterior ganhando, com isso, flexibilidade para contornar tanto fortes oscilações na taxa de câmbio como no nível de atividade econômica. O que a Votorantim, CSN e Gerdau têm de comum é a estratégia empresarial de contornar os cinco obstáculos que apontamos. São empresas em franco crescimento, penetrando em mercados dinâmicos no exterior, contornando restrições de crônica insuficiência de demanda no mercado interno. Adquirem competitividade sem a excessiva tributação e elevadas taxas de juros. E financiam o seu crescimento contornando o "risco Brasil" e as restrições do mercado financeiro doméstico ineficiente ao utilizar o mercado global. Este processo tem ocorrido a nível microeconômico e revela que temos um empresariado competente e capaz de competir e ganhar espaço no mercado internacional. Os obstáculos mencionados são macroeconômicos e decorrentes de política econômica totalmente equivocada. Não esqueçamos que o ponto de partida e a base para a estratégia bem-sucedida das empresas mencionadas é a competitividade decorrente da atividade extrativa de recursos naturais abundantes. Isto é, elas operam em setores que é possível exportar mesmo com taxa de câmbio valorizada. A taxa de câmbio valorizada liquida a possibilidade das empresas da maioria dos setores industriais adotarem estratégia semelhante de crescimento. Portanto, sem a remoção desses obstáculos, as possibilidades de crescimento sustentado a partir dessas estratégias são limitadas.