Título: Projeto de Eike acirra disputa com Santos
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 07/04/2008, Empresas, p. B8

Um conflito poderá surgir no sistema portuário paulista, entre o novo projeto Porto Brasil, do grupo EBX, e o tradicional e centenário porto de Santos.

Com planos, alguns em andamento, para triplicar a movimentação de cargas nos próximos dez anos, o porto de Santos poderá chegar a 240 milhões toneladas, acima da capacidade atual instalada de 110 milhões de toneladas - em 2007, foram 81 milhões de toneladas transportadas. Em Peruíbe, a 70 quilômetros ao Sul de Santos, a LLX Açu Operações Portuárias, do grupo do empresário Eike Batista, anuncia o complexo industrial-portuário, com capacidade para movimentar cerca de 90 milhões de toneladas por ano.

Neste projeto, essas cargas estão distribuídas em 4 milhões de Teu (sigla em inglês para contêineres de 20 pés), 15 milhões de toneladas de minério de ferro, 20 milhões de toneladas de granéis agrícolas, 4 milhões de toneladas de fertilizantes e 10 milhões de m3, de granéis líquidos. O complexo de Eike Batista inclui até uma ilha artificial, de 500 mil m2, ligada por ponte, que conterá 11 berços de atracação, com calado de 18,5 metros. Estão previstos ainda uma zona industrial, com 13 milhões de m2, para unidades não-poluentes, segundo a LLX, como automobilística, eletrônica, centros de distribuição, entre outras. A conta total dos investimentos: R$ 6 bilhões.

Na margem esquerda do porto de Santos, o projeto Barnabé-Bagres, resultante de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem dimensões superiores ao da LLX. Ainda em fase de avaliação, são 11 quilômetros de cais, podendo conter 40 berços e movimentar anualmente 120 milhões de toneladas, segundo estimativas.

A partir da capacidade instalada de três milhões de Teu em Santos, o Valor fez um levantamento e chegou a conclusão que, com os todos os projetos, esse número chegará a 15,6 milhões de Teu nos próximos cinco anos - são sete projetos em andamento (mais 4,6 milhões de Teu) e Barnabé-Bagres (mais 8 milhões de Teu). Em 2007, os portos brasileiros operaram menos de 5 milhões de Teu.

José Di Bella Filho, presidente da Codesp, sentencia que "Santos é um organismo vivo e está se renovando". Nos últimos 13 dos 116 anos de história, praticamente sem aumento de cais, Santos teve um crescimento de 30 milhões para 81 milhões de toneladas, "devido ao aumento de sua eficiência": obras de melhorias dos acessos rodo-ferroviários, aumento da profundidade do porto para 15 metros, instalação do aeroporto comercial em Guarujá, construção de uma via seca (túnel ou ponte), para ligar as duas margens do porto, fazem da região "uma grande plataforma logística", segundo Di Bella.

De volta recente de viagem à China, o executivo sustenta que a inflexão da curva de crescimento, tanto daquele país, como do resto do mundo terá duração aproximada de dois anos, retornando em seguida, motivo pelo qual o Brasil precisa se preparar para aumentar sua participação no ranking mundial do comércio exterior de 1,2% para 1,5%. Nessa perspectiva, "Peruíbe não concorrerá com Santos; haverá complementariedade", assegura.

"Não há dúvida de que Santos tem capacidade de sobra para atender à demanda de São Paulo e outros Estados. Os investimentos estão vindo conforme as necessidades", sustenta Antonio Carlos Duarte Sepúlveda, diretor de operações da Santos Brasil, que movimentou 1,2 milhão de Teu em 2007 e projeta chegar a 1,35 milhão de Teu neste ano. A empresa deve contar com novo berço até o fim do ano e investe R$ 200 milhões em obras e equipamentos. Conforme Sepúlveda, "a capacidade atual já está superando a demanda", o que significa uma disputa por contêineres.

Para Agnes Barbeito, vice-presidente do Tecondi, entre os três maiores terminais de Santos, o setor "aposta no novo marco regulatório para fazer mais investimentos" e avalia que com os projetos de Santos, inclusive do Barnabé-Bagres, "não se precisa de outro". Ela diz ver risco de aumento da poluição na região. O Tecondi espera movimentar em 2008 cerca de 338 mil Teu. Investe R$ 170 milhões em infra-estrutura e equipamentos, a fim de atingir em 2010 a marca de 600 mil Teu.

Gustavo Pecly, presidente da Libra Terminais, defende a tese segundo a qual portos do Sudeste devem buscar carga de menor volume e maior valor agregado, "já que a gestão de espaços é delicada". Nessa direção, como já vem ocorrendo, portos do Norte, até pela maior proximidade com o continente europeu e com águas profundas, seriam mais demandados por granéis sólidos. Para Pecly, "o mercado é que deve decidir (quanto aos locais de operação)", mas ressalta que se for dada a autorização para Peruíbe, espera que sejam levados em conta os fatores legais e estratégicos envolvidos.

A Libra tem meta de operar 800 mil Teu em 2008, ante 720 mil no ano passado. Investirá até 2009 o equivalente a US$ 35 milhões. Está comprando mais quatro portêineres e espera atingir a movimentação de 1,5 milhão de Teu até 2012.

Fabrízio Pierdomenico, consultor portuário, que ocupou o cargo de diretor comercial da Codesp até setembro de 2007, avalia que o anúncio de Peruíbe é suficiente "para repensar o projeto Barnabé-Bagres; a nosso ver, hoje, são conflitantes". Ele entende que as macroestratégias para ampliação da oferta portuária na região podem ser prejudicadas e lembra que como cabe à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) outorgar autorizações para terminais privativos, há necessidade de um entendimento entre esse órgão e a Secretaria Especial de Portos (SEP). Como esta secretaria, por meio de recursos do BID, está prestes a iniciar um dimensionamento da demanda em Santos, "alguém pode estar gastando dinheiro à toa" diante do projeto Peruíbe.

Na área de sólidos a granel, na qual Santos cresceu 88% nos últimos dez anos, para 31,1 milhões de toneladas, desponta o projeto do Terminal de Grãos de Guarujá (TGG)/Termag, com meta de atingir a 7,5 milhões de toneladas, está em fase de conclusão.

Nos granéis líquidos, com avanço de 62% em dez anos, para 15,2 milhões/ton, um projeto da Embraport, do grupo Coimex, com obras iniciadas, objetiva exportar 5 milhões m3 de etanol, enquanto outro, da Brasil Terminais, não iniciado, propõe-se a operar 1,2 milhão de ton/ano. O terminal de Alemoa, da Codesp, tem projeto de construir mais dois berços e movimentar 1,5 milhão de ton/ano. O projeto Barnabé-Bagres terá suas metas definidas, conforme demandas do mercado, diz a Codesp.

A cautela demonstrada quanto ao futuro por empresários que atuam em Santos, cuja característica é de porto público, com todas suas áreas sujeitas a licitações, obediência de prazos e metas leva em conta a maior liberdade de agir com que atuam os terminais privativos. "Neste item e com a possibilidade de operarem cargas de terceiros, os terminais privativos ganham vantagens competitivas", na avaliação de um especialista, que pediu para não ser identificado.