Título: Risco inflacionário esquenta debate sobre necessidade de alta na Selic
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Fonte: Valor Econômico, 07/04/2008, Finanças, p. C2

Leo Pinheiro / Valor Júlio Sena, da MCM: absorção doméstica "dá o tom do nosso crescimento" O Brasil vai engrossar uma lista cada vez maior de economias que adotaram políticas monetárias restritivas recentemente, caso o Banco Central confirme a sua ameaça de subir juros. Desde fevereiro de 2007, países como Índia, México, Austrália, Chile e Colômbia subiram os juros, justamente quando os Estados Unidos agem na direção oposta, diante dos riscos de uma recessão mais longa e profunda. Economistas têm criticado a postura mais conservadora do BC, sustentando que, como os Estados Unidos, o Brasil deveria estar preocupado em assegurar o crescimento da economia, em um contexto de maior incerteza no cenário internacional.

Outra corrente diz que há riscos inflacionários concretos, que devem ser monitorados. "O mundo mudou", define o economista José Júlio Sena, da MCM Consultores. "Nas décadas de 1980 e 1990, o ambiente econômico foi favorável, e a inflação caiu em praticamente todo o mundo. Agora, voltou a subir." Na África do Sul, diz ele, a inflação acumulada em 12 meses chegou a 8,9%, estourando a meta, definida entre 3% e 6%. No Chile, a alta de preços atinge 8,1%, frente a uma meta estabelecida entre 2% e 4%. Na Colômbia, a inflação chegou a 6,3%, superando a meta, com piso de 3,5% e teto de 4,5%.

Sena diz que os anos 1980 e 1990 foram favoráveis para o combate da inflação porque os choques externos se tornaram menos freqüentes. "A inflação caiu em países que adotaram regimes de meta de inflação e em países que não adotaram regime algum."

No último ano, diz Sena, os preços das "commodities" subiram, por uma série de fatores, incluindo forte demanda mundial, quebra de safras, incertezas geopolíticas e movimentos especulativos - e o resultado foi o ressurgimento de pressões inflacionárias em escala global. A ameaça inflacionária inclui os EUA, que, diante do risco de recessão mais profunda, está privilegiando a atividade econômica. Há alguns dias, ao divulgar o relatório trimestral de inflação, o diretor de Política Monetária do BC, Mário Mesquita, disse que é natural que a ênfase do debate econômico seja dada aos EUA, pela importância de sua economia, mas ele ponderou que cada caso é um caso. "O Banco Central Europeu, por exemplo, indicou que o risco de inflação tem sido o foco principal de sua preocupação, mesmo em face de uma possível desaceleração da economia", disse.

"É claro que uma eventual desaceleração mais forte dos Estados Unidos vai roubar um pouco de nosso crescimento", diz Sena. Mas não elimina o risco inflacionário. "O que claramente dá o tom do nosso crescimento é a vigorosa absorção doméstica, representada por consumo, investimentos e gastos do governo."

O estrategista sênior do Banco WestLB para a América Latina, Roberto Padovani, concorda que não é correto extrapolar o que acontece nos EUA para o Brasil. "Cada caso dever ser avaliado individualmente." E isso significa também, opina, que a situação do Brasil não deve ser vista como absolutamente idêntica a de outras economias que já subiram os juros.

A semelhança, afirma ele, é que os preços subiram no Brasil em virtude da alta de cotações das "commodities", como ocorreu em outros países, e essa pressão inflacionária ocorreu num contexto de maior aquecimento da economia, reproduzindo um padrão comum entre emergentes . Mas o Brasil, que faz parte de um grupo mais restrito de economias que exportam "commodities", também se beneficia com o aumento das receitas de exportações.