Título: Uribe deveria negociar com as Farc, diz ex-presidente
Autor: Souza , Marcos de Moura
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Internacional, p. A11

O impasse político entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o presidente Álvaro Uribe, que impede a libertação de centenas de reféns, esbarra em um obstáculo crucial: a postura do governo de não negociar com a guerrilha. A avaliação é do ex-presidente colombiano Ernesto Samper, para quem decisões unilaterais de Bogotá - como soltura de guerrilheiros - não são o que mais interessa às Farc atualmente.

"O que está travando a relação de Uribe com as Farc não é a liberação de guerrilheiros. Uribe tem liberado unilateralmente guerrilheiros. Só no ano passado foram cerca de 30", disse ontem Samper em entrevista ao ValorO ex-presidente está em São Paulo para um evento organizado pelo governo do Estado de São Paulo sobre a gestão de metrópoles. "A questão é que a guerrilha não quer libertações unilaterais, o que a guerrilha quer é negociar. O tema de fundo é que as Farc querem sentar-se com Uribe em uma mesa para negociar o intercâmbio. Isso implica um reconhecimento de status político das Farc por parte do governo. Isso significaria uma legitimação política, que neste momento, as Farc não têm", acredita ele.

A maior e mais antiga guerrilha da América Latina faz parte da lista de grupos classificados como terroristas pelos EUA, pela União Européia e pelo governo da Colômbia. Entre os reféns políticos, o nome mais conhecido é o da ex-candidata à Presidência da Colômbia, a franco-colombiana Ingrid Betancourt, há seis anos retida na selva. "Ter a possibilidade de sentar-se com um governo diante da opinião pública internacional abriria espaços políticos que, a meu ver, para as Farc são mais importantes que o intercâmbio" [de guerrilheiros presos por reféns]. "O problema é que Uribe não quer negociar." As Farc defendem a desmilitarização de dois municípios, Florida e Pradera, para negociações.

Samper, de 57 anos, governou a Colômbia entre 1994 e 1998. No período, quase 80 soldados seqüestrados em uma base militar no sul do país por guerrilheiros das Farc foram libertados após negociações com o governo. "Nós fizemos uma negociação direta com Joaquim Gómez, que é a pessoa que acaba de substituir Raúl Reyes [líder guerrilheiro morto no início do ano num ataque aéreo em território equatoriano], e houve uma devolução unilateral. Não houve intercâmbio."

Para Samper, negociações internas levariam não apenas à libertação de reféns, mas poderiam inaugurar um processo de desmobilização e de reinserção dos guerrilheiros na sociedade. Outra opção, talvez de menor alcance, seria a internacionalização do processo.

Samper defende como "inevitável" a participação do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, nas negociações de libertação. "Ele tem uma linha direta com as Farc, tem credibilidade junto às Farc e capacidade de convencimento." No fim de 2007, Uribe dispensou a ajuda de Chávez. O ex-presidente não quis comentar as alegações do governo Uribe de que Chávez já teria oferecido recursos das Farc e prometido armas aos guerrilheiros.

Samper, cujo partido se dividiu no apoio a Uribe, reconhece que a a política de segurança do presidente trouxe resultados. "As Farc não estão acabadas, mas tampouco estão intactas. Estão na defensiva". A elevadíssima aprovação de Uribe (84% pela última pesquisa) é prova do sucesso da política. Mas, ao mesmo tempo, a maioria dos colombianos prefere que o desfecho do impasse com as Farc não passe pelas armas. "Quando perguntados se são a favor de uma saída para o conflito pela via política, cerca de 75% dizem sim."