Título: Chávez perde apoio com desabastecimento e inflação
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Opinião, p. A12

Desde que foi derrotado no plebiscito para a mudança da Constituição, em dezembro do ano passado, o presidente venezuelano Hugo Chávez vê seus índices de popularidade declinarem sistematicamente. O ativismo frenético do presidente, a propaganda incessante nos meios de comunicação, a criação em massa de comitês populares que mimetizam a experiência cubana de comitês de quarteirão, nada disso está impedindo o desgaste da imagem de Chávez. Faltam pão, leite e outros gêneros de primeira necessidade nos supermercados e lojas e o preço das mercadorias não pára de subir. A Venezuela hoje é a campeã latino-americana de inflação.

Como mostraram reportagens do Valor (3 e 4 de abril), é a política econômica do presidente que criou as distorções acentuadas com que agora convive o país. A estatização a torto e a direito executada por Chávez e suas seguidas intervenções ou ameaças à propriedade privada desestimularam investimentos e, o que ajudou a piorar a situação, desorganizou a produção agrícola. As soluções para os problemas que emergem têm sido uma só - mais empresas estatais. Foi assim no caso do leite, em que o governo comprou a Los Andes e ganhou o controle de pouco mais de um terço da distribuição do produto no país. Agora, diante da alta dos preços da construção civil, produto de um boom imobiliário trazido pelo aumento da renda e do emprego, Chávez ameaça estatizar várias empresas que produzem cimento.

A política de controle de preços de uma lista de 130 produtos, desde março de 2003, trouxe aos poucos a falta de produtos. É certo que a Venezuela sempre dependeu das importações para se abastecer, mas os expedientes utilizados por Chávez contribuíram para que a escassez se propagasse. Ele praticamente fixou o câmbio em 2,15 bolívares fortes por dólar, uma cotação na qual as mercadorias importadas, para as quais há uma demanda crescente, relutam em aparecer. A cotação do câmbio negro tem sido em geral o dobro dessa - já chegou a 6, hoje está entre 4 e 5 bolívares fortes - e a diferença entre os valores estimulou a arbitragem que faz a fortuna dos bancos nacionais, que dominam o setor. Esses bancos são hoje bastante rentáveis, e, nas estatísticas, até mais rentáveis que os bancos brasileiros (Valor, 3 de abril).

O câmbio sobrevalorizado incentiva as importações, o que dentro de determinados limites não é um mal, mas a política de Chávez é desbalanceada e produziu um choque de demanda que jogou a inflação para o alto. Com um orçamento que cresceu 70% em termos reais desde 2000, os gastos do governo incentivaram mais o consumo que os investimentos. Os maiores gastos foram dirigidos aos programas sociais e bolsas de transferência de renda, a um custo que só poderia ser bancado por quem nada em petróleo. Em 2007 estima-se que o governo e a estatal PDVSA despenderam nas rubricas sociais algo como US$ 12 bilhões. Por outro lado, Chávez continua desperdiçando a chance de aproveitar a bonança petrolífera para diversificar a base produtiva venezuelana, um erro que compartilha com todos os governos conservadores que arruinaram o país e permitiram sua ascensão.

Há indícios claros que nem mesmo a galinha dos ovos de ouro, a indústria petrolífera, mereceu a atenção devida. A Venezuela produz hoje menos petróleo que há cinco anos atrás. A infra-estrutura em geral não foi modernizada. O privilégio ao consumo fez os preços dispararem e o governo está sendo obrigado a agir à sua maneira - tardiamente, com remendos e com a paranóia de sempre. Em vez de remodelar a política, Chávez age no varejo. Criou uma lei severa para combater a estocagem de mercadorias para fins especulativos e tornou crime a divulgação das cotações do dólar no mercado paralelo. Começou também a tentar pontualmente deter importações, ao reduzir a cilindrada de carros que podem ser comprados no exterior e cortar o limite de aquisição dos cartões de crédito de US$ 3 mil para US$ 400.

São medidas cosméticas, que não reequilibrarão a economia e, por isso mesmo, afetarão mais a popularidade de Chávez em um momento em que ele precisa vencer nova batalha política. Haverá eleições no segundo semestre para governadores e a oposição, que ressurgiu com a vitória no plebiscito, pode ganhar e rachar o até agora monolítico esquema de poder do líder bolivariano.