Título: Câmbio nominal: é preciso adotar medidas
Autor: Junior , Mario Cordeiro
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Opinião, p. A12

Mês passado, duas medidas foram adotadas para reduzir os custos de transações cambiais. Uma foi eliminar a obrigatoriedade de converter para reais as receitas com vendas externas, e a outra foi isentar o pagamento de IOF (0,38%) no fechamento de câmbio. Anunciadas sob o "derretimento da taxa cambial", esta se estabilizou num patamar mais apreciado em termos nominais. Para entender porque isto está ocorrendo, nossas autoridades deveriam ler dois clássicos sobre o funcionamento do mercado de câmbio flutuante.

Pela leitura do texto de Milton Friedman "The Case for Flexible Exchange Rates 1953", se verificaria o seu rigor metodológico, ao dizer que "advogar por taxas de câmbio flexíveis não é equivalente a advogar por uma taxa de câmbio instável. O objetivo último num mundo onde as taxas de câmbio sejam livres para variar é que elas sejam de fato muito estáveis. E uma taxa de câmbio instável é um sintoma da instabilidade subjacente à estrutura econômica."

No Brasil, desde a introdução do câmbio flutuante observa-se que a instabilidade da taxa de câmbio nominal entre 1999 até 2007, medida pelo coeficiente de variação e pela variância, vem se reduzindo quando se compara um ano (ou mês) com o anterior. Logo, houve redução da instabilidade cambial. Se isso ocorreu, então, se faz necessário verificar, conforme proposto por Harry Jonhson no também clássico "The Case for Flexible Exchange Rate 1969": se (I) a taxa de câmbio se move livremente em resposta às forças de mercado; e/ou (II) são erráticas as forças que governam a oferta e a demanda por moeda estrangeira (ou nacional).

O Regulamento de Mercado de Câmbio e Capitais Externos do Banco Central informa que o mercado de câmbio foi unificado, e é único. Mas, quem opera no comércio exterior sabe que o hábito de se elaborar contratos de exportação e importação de bens e serviços para cada transação internacional, segundo a sua legalidade, respaldada em documentos e com fundamentação econômica permite que haja amplo espaço para o exercício discricionário com vista a impor restrições aos pagamentos internacionais por parte dos bancos e das autoridades monetárias. Isso mostra que esses são os reais e verdadeiros custos de transação que ninguém fala em remover e, com isso, a taxa de câmbio nacional não se move tão livremente em resposta às forças de mercado.

-------------------------------------------------------------------------------- O custo para se utilizar as linhas de crédito internacionais é bem menor que usar fontes domésticas --------------------------------------------------------------------------------

Hoje em dia, o regime de taxa de câmbio é flutuante, mas o processo de sua formação não é livre porque a demanda e a oferta de/por moedas são "direcionadas e compartimentadas" em função da natureza de cada operação, o que faz com a conversibilidade da moeda brasileira seja restrita. A norma e a prática histórica é esta, porque os fundamentos legais do mercado de câmbio brasileiro foram estabelecidos para lidar com situações de desequilíbrio entre oferta e demanda, e racionamento de divisas, usando o procedimento da sem/com cobertura cambial. Logo, eliminar a obrigatoriedade da cobertura cambial não implica em mercado livre com conversibilidade. Isso ocorre porque não há embasamento legal para estruturar mercado de câmbio livre, com poucas restrições aos pagamentos internacionais. Aliás, o setor empresarial, através da Fiesp, propôs projeto de lei complementar para permitir o livre acesso às divisas por qualquer agente econômico residente no país.

Além de aprovar esse projeto, é preciso ainda adotar medidas que coíbam as forças erráticas que, hoje em dia, ainda governam, no câmbio comercial, a oferta e a demanda por moeda estrangeira. Elas foram conformadas no bojo da crise da dívida externa, quando o governo obrigou que os bancos credores estabelecessem linhas de trade finance com bancos comerciais nacionais. Estes repassavam os recursos oriundos dessas linhas aos exportadores nacionais via ACC e ACE. Vale lembrar que, nesse caso, os bancos situados no Brasil, não tinham e nem têm que: captar recursos em moeda nacional; remunerar esses depósitos ao nível da taxa interna de juros; ou utilizar capital próprio. Logo, o custo para utilizar as linhas de crédito internacionais é bem menor que usar fontes domésticas.

Face à inexistência de fonte alternativa de crédito interno para financiar as exportações, o exportador vive recorrendo ao ACC/ACE "lastreado" em recursos externos. O resultado é que os dólares que iriam entrar e seriam convertidos - no Brasil - num futuro distante (90, 180 ou 360 dias) acabam sendo trocados hoje no momento em que se firma o ACC ou ACE, entre exportador e o banqueiro nacional. Como há um crescimento das exportações brasileiras, constata-se um aumento da oferta de divisas e maior demanda por esse tipo de operação. Existe ainda possibilidade de os grandes exportadores receberem divisas como pré-pagamento das suas exportações de um ano ou mais, em função da sua história. O resultado é que há uma pressão "forte" para acelerar as entradas de moeda estrangeira, que ocasiona maior volume de dólares e valorização cambial. Paralelamente, a demanda por importações do Brasil e a conseqüente oferta de reais para cruzar com a demanda por dólares (fruto da oferta exportável) naturalmente não se encontram no dia-a-dia, pois os compradores (importadores) nacionais sempre obtêm financiamento externo para pagar as importações, o que posterga os dispêndios de divisas.

Como simultaneamente são estrangeiras as fontes de recursos de financiamentos às exportações e importações brasileiras, consequentemente são erráticas as forças que governam a oferta e a demanda no mercado de câmbio. Resolver isso requer a oferta de ACC/ACE em reais e pré-pagamento das nossas exportações na nossa moeda. Nesse sentido, bastaria resolução do BC coibindo o uso das linhas de crédito externa e o pré-pagamento, desde que se reduzisse a taxa de redesconto bancário para que esses recursos fossem direcionados para as exportações. Face ao exposto, para que o mercado de câmbio opere sob taxas flexíveis tem que se aprovar lei complementar específica e erradicar o financiamento às exportações nacionais com recursos estrangeiros. Logo, adotar essas medidas é preciso, mas viver sob apreciação do câmbio, não.

Mario Cordeiro de Carvalho Junior é professor da FAF/UERJ.