Título: Pressões inflacionárias globais e taxa de juros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Opinião, p. A13

A elevação sem precedentes no preço do petróleo e de outras commodities primárias vem acelerando a inflação em nível global. Tomando-se as expectativas de inflação de 41 países acompanhados semanalmente pela The Economist, a taxa anual média prevista alcançou 5,19% em fevereiro último, comparada a 3,14%, há um ano atrás. Nesta pesquisa, a expectativa de inflação no Brasil, de 4,6 %, está 0,6 ponto percentual abaixo da média mundial. Não há dúvida de que no ano passado transitamos de um longo período com pressões globais deflacionárias para um novo período com pressões inflacionárias globais.

As pressões inflacionárias globais vem, fundamentalmente, da fortíssima aceleração do crescimento na China nas últimas duas décadas e o consequente aumento na demanda global devido à elevação da renda de parte significativa da população. No setor manufatureiro, onde a oferta anda na frente da demanda e as expectativas de forte crescimento no longo prazo provocam booms de investimento, juntamente com os ganhos de escala e forte aumento de produtividade, as pressões são deflacionárias. Mas onde a oferta não pode responder rapidamente ou responde com aumento de custos, como petróleo e produtos primários em geral, as pressões são fortemente inflacionárias. E tudo indica que estas pressões setoriais se generalizaram na economia chinesa. Trata-se de pressões inflacionárias setoriais em escala global, que requerem ajustes e incorporação de novas tecnologias na estrutura produtiva para serem controladas, e não simples políticas de contração na demanda agregada.

Neste quadro, é provável que política monetária com meta única de inflação atingida por meio de um único instrumento, a taxa de juros, eficiente no período de compressões deflacionárias, tenha se tornado ineficaz e anacrônica no novo quadro de inflação estrutural global. Ao invés de compreender a natureza da atual pressão inflacionária no Brasil e debater se a atual política de metas é eficiente, instaurou-se um debate se a taxa de juros deve ser elevada ou não, apesar das expectativas de inflação estarem dentro da meta. O Banco Central, na neurótica fixação por taxa de juros elevadas, vem apresentando até novo argumento, de que ele deve agir preventivamente para evitar uma possível elevação nas expectativas de inflação.

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No nosso modelo de meta de inflação, justifica-se elevar a taxa de juros se houver um excesso de demanda e isto provocar um generalizado aumento na expectativa de inflação. Mesmo não havendo excesso de demanda agregada é aceitável conter a sua expansão se choques de custos contaminarem os preços em geral, especialmente os salários, e, desta forma, a aceleração dos reajustes de preços se generalizasse na economia. Portanto, a decisão correta do Banco Central deveria ser orientada pela verificação se há ou não excesso de demanda e se há um processo generalizado de aceleração nos reajustes de preços. Se choques de custos ou de oferta provocarem uma aceleração transitória da taxa de inflação, não há razão em elevar a taxa de juros.

Vejamos, primeiro, se há excesso ou aceleração excessiva da demanda. Os indicadores de utilização da capacidade instalada na indústria não indicam um excesso de demanda. O índice da FGV apresenta pequena oscilação para cima (85 %) enquanto o da CNI, para baixo (82,9%), no último mês pesquisado. Estes dados ficam acima da média dos anos recentes, mas, como a economia brasileira acelerou a taxa de crescimento (4,5% ao ano em 2004-07), era de se esperar que o patamar de utilização da capacidade fosse superior em relação ao período de recuperação e crise que caracterizou o período precedente à recente aceleração. O dado mais importante, é que os investimentos produtivos estão crescendo muito acima do consumo nos últimos anos. No ano passado, enquanto o consumo cresceu 6,5%, os investimentos cresceram 13,4%, e dados mais recentes indicam que o consumo aparente de máquinas e equipamentos, até fevereiro, está crescendo mais do que 20%, enquanto que o consumo cresceu a taxa de 6,9%.

Os dados do IPA - Índice de Preços ao Atacado da FGV - não mostram que os choques de custos e inflação global de alimentos estejam se generalizando com reajustes mais elevados dos preços. Para isto acontecer, o canal fundamental de transmissão é o repasse para os salários. Os dados de produção industrial, até dezembro último, não revelam este fenômeno. Ao contrário, como o salário médio aumentou apenas 3,1%, enquanto a produtividade aumentou 4,2%, o custo unitário de salário caiu em 2007 - exerceu, portanto, efeito deflacionário (ou aumentou a margem de lucro). Abrindo os dados do IPA, não há indicações de aceleração generalizada da inflação. Ao contrário, a aceleração nos últimos doze meses está localizada em setores afetados pela inflação mundial: produtos alimentares de origem vegetal (17,36%), produtos alimentares de origem animal (16,73%), fertilizantes (39,16%), combustíveis e lubrificantes (5,1%), matérias plásticas (5,92%). Em setores com a demanda aquecida não há sinais de aceleração da inflação: material de transporte (2,29%) e máquina e equipamento para indústria (1,5%). A exceção é o setor de materiais de construção, mas a taxa de inflação nos últimos doze meses é de 4,26%.

Com toda certeza, o Banco Central deverá aumentar a taxa de juros, mas é importante lembrar que aumento na taxa de juros no Brasil, por maior que seja, será incapaz de conter as pressões inflacionárias globais. E como nos Estados Unidos e na Europa a tendência será de redução na taxa de juros, o diferencial de juros deverá aumentar no Brasil e, com isso, o fluxo de capitais, com consequente apreciação do real e queda nos preços dos tradables. Este é o mecanismo que funcionou no passado e permitiu o controle da inflação. Mas, desta vez, ele não deverá funcionar por duas razões. Primeiro, é uma parcela significativa dos tradables - petróleo, alimentos e matérias-primas - que estão pressionando a inflação e, segundo, aparentemente já atingimos um limite de apreciação do real sinalizado pelo galopante aumento no déficit em transações correntes.