Título: Renovação com FMI vira dilema
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, Finanças, p. C1

Não é simples a decisão sobre renovar ou não o acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Há razões suficientes para sustentar ambas as opções. Os que advogam, no governo, a manutenção de um entendimento formal com o FMI, por meio de um acordo "stand-by" - que representa um aval do país junto à comunidade financeira internacional - alegam que, apesar de todas as melhoras dos indicadores macroeconômicos, subsistem alguns importantes fatores de vulnerabilidade do Brasil à crises externas. Alguns dos mais importantes são: o tamanho ainda incômodo da dívida líquida do setor público como proporção do Produto Interno Bruto (dívida/PIB), de 51,8% em dezembro de 2004 (no Chile, lembra uma fonte, essa relação é de 15%); o perfil da dívida mobiliária, que é ruim, pois carrega metade do seu estoque atrelado à variação da taxa Selic; e reservas cambiais baixas. Embora as reservas estejam sendo reforçadas com as compras de dólares pelo Banco Central - certamente já ultrapassou os US$ 30 bilhões no conceito de reservas líquidas (sem contar os empréstimos do FMI) - o ideal, segundo fontes qualificadas, seria acumular até cerca de US$ 40 bilhões. Assim, seria "prudente" o governo continuar com um acordo preventivo com o FMI até que esses indicadores sejam mais confortáveis. O atual, embora seja sob o formato tradicional de um "stand-by", funciona como preventivo na medida em que o país saca as parcelas disponíveis se realmente precisar - e não sacou nenhuma desde a assinatura do acordo, em 2003. A direção da instituição já informou ao governo brasileiro que está pronta para renovar um acordo ou para prorrogar o atual, mantendo o mesmo valor dos empréstimos disponíveis, ou seja, cerca de US$ 15 bilhões, pelo tempo que o governo desejar. Os que são contra um novo acordo, ou a prorrogação do atual, argumentam que já é hora do país "andar com suas próprias pernas". Seria uma maneira de mostrar aos agentes econômicos domésticos e externos que as políticas macroeconômicas responsáveis são resultado de um amadurecimento do país e que a sua manutenção independe de estar sob a supervisão do FMI. Isso, se crível, já reduziria em alguns pontos o risco-país, avaliam. O problema da segunda opção - não ter acordo com o Fundo - é saber se os mercados vão receber tal notícia como um sinal de força ou de fraqueza. Ou seja, se estar livre das metas compromissadas e das missões técnicas trimestrais do FMI significará maior liberdade do governo para afrouxar, por exemplo, a política fiscal, ou se essas são sólidas o suficiente para afastar qualquer temor. Os sinais emitidos no segundo semestre do ano passado, nesse aspecto, não foram bons. O governo aumentou o salário mínimo para R$ 300 sem resolver o impacto dessa elevação nas contas da Previdência Social; fez um acréscimo de R$ 9 bilhões na folha de pessoal deste ano; e decidiu corrigir a tabela do imposto de renda. O aumento da despesa do setor público como proporção do PIB em 2004, depois de exibir uma substancial queda em 2003, foi, nesse sentido, uma péssima iniciativa, na medida em que sinalizou um enfraquecimento do poder da área econômica de segurar o gasto público. O fato positivo é que, na discussão sobre se o país prosseguirá ou não sob monitoramento do FMI, o governo está, agora, numa posição confortável, com a chance de escolher. Essa circunstância ainda não existia em 2003, quando o governo não estava seguro se a economia iria mesmo entrar na rota de crescimento; nem tinha comprovado a enorme mudança nas contas do balanço de pagamentos. Hoje, citam técnicos ao listar razões que levariam o governo a não continuar sob acordo com o FMI, a economia está crescendo com baixa taxa de inflação. O crescimento está sendo gerado não pelo aumento do déficit público nem por déficits nas contas externas, mas por aumento da renda e do crédito doméstico. E os investimentos estão crescendo mais rapidamente do que o aumento da renda. Assim, a decisão dependerá mais do tamanho da prudência deste governo do que, efetivamente, da necessidade de ter acesso a recursos do FMI ou seu aval. Segundo uma fonte oficial, o ministro da Fazenda, Antônio Palocci, está discutindo o assunto, mas ainda na fase de "problematização". Explora a possibilidade de fazer um "acordo mitigado", que seria com condicionalidades mínimas. Qualquer que seja o nome que se dê a um eventual acordo, porém, ele não escapará das regras básicas do FMI. O mais simples, nesse caso, seria manter o "stand-by" - que pode ser de, no mínimo, seis meses, e no máximo três anos - como um arranjo preventivo excepcional, como foi feito em 2003, na medida em que o país não é obrigado a sacar os recursos disponíveis.