Título: Inferno astral
Autor: Pavini, Angelo
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, EU & Investimento, p. D1

Estrelas do mercado há dois anos, os fundos de arbitragem de ações, ou long/shorts, estão vivendo seu inferno astral em meio à queda de retorno e saques. A categoria, que começou como uma variação dos multimercados e cresceu tanto que ganhou até uma classificação separada na Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid), perdeu neste ano cerca de R$ 2,5 bilhões, o que reduziu seu patrimônio para R$ 9 bilhões no dia 3 de abril, segundo dados do Fortuna.

O grande apelo dessas carteiras era o fato de, como trabalham com pares de ações, não estariam vinculados ao comportamento das bolsas - eles deveriam ser "neutros" em relação ao Ibovespa. Mas poucos fundos cumpriram com essa expectativa. A maioria perdeu com a turbulência das bolsas iniciada em agosto do ano passado e continuou perdendo este ano.

Março foi um mês ainda pior por conta da queda mais acentuada de vários papéis de segunda e terceira linhas provocada pelo ajuste dos próprios long/shorts aos resgates. Com o dinheiro saindo, esses fundos tiveram de desfazer operações, vendendo ações que julgavam boas e comprando as que achavam que iam cair. Houve ainda aqueles que perderam com o fracasso da privatização da Cesp, que fez o papel da empresa elétrica cair mais de 40% em março. Com isso, alguns fundos long/short acabaram perdendo mais de 4% em março e acumulando perdas expressivas no ano.

A queda de rentabilidade dos long/shorts determinou a saída dos investidores, assim como vem ocorrendo com os multimercados em geral, explica Marcelo D'Agosto, diretor do site Fortuna. "Diferentemente de um fundo de ações, onde o investidor sabe a estratégia da carteira, nos multimercados e nos long/shorts é preciso confiar no taco do gestor e, se ele começa a perder, o pessoal resgata", diz.

Os gestores não perceberam que o mercado mudou e, por isso, tiveram perdas expressivas tanto nos multimercados quanto nos long/shorts, afirma Ronaldo Patah, responsável pela área de renda variável na Unibanco Asset Management (UAM). "No caso dos multimercados, a estratégia de comprar o chamado 'kit Brasil' - vender dólar, comprar bolsa e apostar na queda dos juros - e ficar esperando o mercado subir não é mais vencedora", diz o executivo. Até meados de 2007, o "kit Brasil" funcionou muito bem. "Mas, a partir daí, quem ficou acabou se esborrachando", diz ele, lembrando que alguns continuam, em uma aposta de longo prazo, vendidos em dólar e comprados em bolsa. Muitos, no entanto, não estão mais em prefixados porque todos esperam que o Banco Central suba os juros na semana que vem.

Nos long/short, o problema foi que as correlações clássicas que esses fundos usavam para ganhar dinheiro deixaram de funcionar, explica Patah. Desde 2000, lembra ele, os gestores faziam arbitragens principalmente entre pares de ações. As mais comuns eram de preferenciais (PN, sem voto) contra ordinárias (ON, com voto) de uma mesma empresa, ou entre a holding e a controlada - Vale e Bradespar ou Itaúsa e Itaú, por exemplo - onde o raciocínio era que os preços entre elas não poderiam se distanciar muito e, se isso ocorresse, elas tenderiam a voltar à média.

Mas, na turbulência recente, essas correlações deixaram de funcionar. "A preferência do estrangeiro pela liquidez foi tão grande que ele distorceu esse histórico", diz ele, lembrando que muitos papéis foram vendidos apesar de estarem muito baratos ou serem, na prática, a mesma coisa - caso de estrangeiros que venderam Bradespar e compraram Vale. "O que eles não queriam era o risco de ficar presos no papel se quisessem sair e isso quebrou a correlação entre os papéis", diz Patah. Com isso, o gestor de long/short teve fortes perdas e teve de liquidar as operações.

Para ampliar esse efeito, lembra ele, houve a forte alta dos papéis da Petrobras, Vale e siderúrgicas por conta da alta das commodities no mercado internacional, que puxou o Ibovespa e destruiu as operações de proteção (hedge) feitas com o índice. "Muitos long/shorts compravam uma carteira com cinco, dez ações e vendiam o índice futuro", diz. "Mas o índice disparou e a carteira caiu, tudo deu errado e ele perdeu nas duas pontas".

Para Patah, enquanto a situação do mercado internacional não se acalmar, o mercado continuará distorcido. "A volta dos preços das ações menos líquidas à média está demorando e, enquanto continuar a crise nos Estados Unidos e a volatilidade, as distorções vão continuar", diz.

No caso do Unibanco, dois fundos long/short tiveram um ótimo desempenho em março. O Unibanco Equity Hedge fechou o mês com ganho de 3,38% e o Unifund Arbitragem, de 2,12%. "Nossa estratégia foi abandonar essas correlações clássicas e partir para a análise fundamentalista, comprando o que nossos quatro analistas sêniores indicavam e vendendo o que eles achavam que ia cair", diz. Além disso, o fundo passou a girar mais rapidamente a carteira, ficando pouco tempo com os papéis, aproveitando a turbulência do mercado. Com uma cobertura de 170 ações, os fundos conseguiram se manter bem e o Equity Hedge acumula 8,6% no ano.