Título: Venda da Brasiliana está parada e leilão não tem data para ocorrer
Autor: Adachi , Vanessa ; Durão , Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Empresas, p. B1

Está paralisado o processo de venda da Brasiliana, holding de energia que controla a maior distribuidora do país, a AES Eletropaulo, e as geradoras AES Tietê e Uruguaiana. Desde novembro, quando foram finalizados o edital de venda e as avaliações da empresa, nada foi feito e o projeto ficou engavetado. Com isso, já existem dúvidas quanto à realização ainda neste ano do leilão da participação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na empresa. O BNDES informa que o leilão não tem data.

O banco ficou com 53,8% do capital total da Brasiliana e 50% menos uma ação do capital votante depois de ter transformada em participação acionária uma dívida da americana AES - que ficou com o restante das ações ON da holding. A dívida havia sido contraída na privatização das elétricas.

Inicialmente previsto para dezembro, o leilão foi informalmente postergado para janeiro para não concorrer com a licitação da usina de Santo Antônio, no Rio Madeira. Veio janeiro e nada foi feito. Agora, se quisesse retomar o processo, o governo e a AES teriam que mandar refazer a avaliação da holding, porque os cálculos feitos no ano passado já perderam a validade. No ano passado, o JP Morgan fez a avaliação pela AES e o Citi, pelo BNDES. Como houve diferença superior a 10% entre os dois cálculos, a KPMG foi chamada para fazer uma terceira avaliação, que ajudaria a compor o preço mínimo.

O BNDES gostaria de vender suas ações para fazer caixa. Mas, segundo o Valor apurou, a prioridade do governo são negócios que injetem energia nova no sistema, como o leilão da outra usina do Madeira, Jirau, que deve ocorrer em maio. No caso da venda da Brasiliana, a mesma energia apenas mudaria de mãos. Lançar o leilão da Brasiliana agora poderia afetar a concorrência por Jirau, avalia o governo. Um caso citado é o da CPFL, que detém a concessão de parte do segmento de distribuição no interior paulista e teria interesse natural pela Eletropaulo, que atende os municípios da Grande São Paulo. A CPFL foi sócia da Camargo Corrêa e da Chesf no consórcio que perdeu a usina de Santo Antônio para o grupo Odebrecht/Furnas.

Haveria ainda uma resistência de alguns integrantes do governo em permitir que a totalidade do capital da holding termine nas mãos da AES, que tem um histórico de débitos não pagos no país. A empresa americana tem um direito de preferência sobre a participação do BNDES. Pelo que foi acordado, poderá cobrir a oferta do vencedor do leilão. Caso não cubra, terá que vender a sua participação ao comprador. O cheque a ser feito pela AES é bem menor, porque a empresa só teria que comprar as ações do BNDES. Um outro comprador teria que pagar também pelas ações da AES, além de fazer ofertas públicas pelas ações dos minoritários das subsidiárias, porque haveria uma troca de controle.

A AES está fortemente mobilizada para ficar com os ativos e tem se movimentado para colocar o leilão na rua. Representantes da empresa devem se reunir com o BNDES nos próximos dias. O principal executivo da AES Corp., Paul Hanrahan, vem ao Brasil na semana que vem, onde participará de um evento e, fatalmente, o tema estará em sua agenda. O grupo americano não esconde o apetite e está com US$ 2 bilhões em caixa - nos próximos dias deve receber outros US$ 1 bilhão da venda de ativos - e também dispõe de linhas de crédito já aprovadas. Além disso, o grupo deverá anunciar novos investimentos no Brasil, possivelmente um projeto de energia eólica no Ceará.

Todo o esforço para demonstrar comprometimento com o país esbarra, entretanto, em pendências antigas. Além da dívida não paga que levou ao acordo que criou a Brasiliana, a AES deve pelo menos US$ 1 bilhão ao BNDES por conta de outra transação. Essa outra dívida foi contraída pelo consórcio Southern Electric Brasil (SEB), do qual a AES é líder, em 1997 para a compra de 33% do capital da Cemig, com direito a tocar a gestão da empresa. O direito foi suspenso por Itamar Franco e o empréstimo deixou de ser pago em 2003.

Na metade do ano passado, BNDES e AES estavam próximos de um acordo judicial. Os americanos pagariam US$ 1 bilhão ao BNDES com recursos de um empréstimo tomado do Credit Suisse. Depois de desbloquear as ações na Justiça, as venderiam no mercado, pagariam ao CS e embolsariam uma gorda diferença. Mas o Ministério Público Federal barrou o fechamento do acordo e solicitou prazo para analisar os termos. Havia queixas de que o BNDES estaria "deixando dinheiro sobre a mesa".

Depois de avaliar o acordo, o MP decidiu que quer que o banco inclua na dívida da SEB os juros devidos, que somam algo em torno de US$ 200 milhões. O MP considera que "é uma renúncia de um valor expressivo". Segundo o BNDES, o assunto está sendo negociado novamente entre as partes. Conforme o Valor apurou, o acordo como foi desenhado tornou-se inviável do ponto de vista da AES. As ações da Cemig, que estavam na casa de R$ 41 no início de julho de 2007, fecharam a R$ 32,10 ontem. Com isso, a fatia de 33% do capital já não é suficiente para pagar a dívida e gerar lucro para a SEB.

Apesar de o processo da venda de Brasiliana estar parado, alguns grupos nacionais têm se movimentado para tentar se associar à AES para ficar com os ativos. Um desses grupos, apurou o Valor, é justamente a estatal mineira Cemig. Representantes da mineira tiveram reuniões com executivos da AES nas últimas semanas nos Estados Unidos e no Brasil para tentar um acordo. A AES estaria resistente, porque não quer ceder o controle da Brasiliana, como gostaria o grupo brasileiro.

Para Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infra-Estrutura (CBIE), o atraso da venda da Brasiliana pode estar atrelado a outra estratégia: a de criar condições para que estatais federais fiquem com os ativos de geração da holding. Com a aprovação no Congresso da Medida Provisória que permite que a Eletrobrás e suas subsidiárias adquiram o controle de empreendimentos de geração, avalia ele, o governo pode optar por mudar a modelagem de venda da Brasiliana, segregando a distribuidora Eletropaulo das empresas de geração. (Colaboraram Ricardo Balthazar e Daniel Rittner, de Washington e de Brasília)