Título: A rainha do videogame aspira ao cinema
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Fonte: Valor Econômico, 08/04/2008, Empresas, p. B2

Atrás de um espelho de duas direções, Glen Schofield observa ansiosamente um punhado de jogadores. O resultado de um ambicioso esforço para refazer a gigante dos videogames Electronic Arts (EA) pode depender da maneira como os jogadores do outro lado do espelho vão reagir, nos próximos minutos, ao Dead Space, um jogo que está para ser lançado no mercado. De repente, eles manipulam os controles freneticamente, com os rostos sorridentes iluminados pela luz trêmula das telas dos PCs, enquanto uma nova arma que estão testando derruba hordas de monstros. Schofield, produtor executivo desse jogo de ficção científica da EA, relaxa. "A resposta ficou muito acima das expectativas", diz ele. "No fim das contas, trata-se de colocar o jogador em uma montanha-russa e criar um grande jogo."

O Dead Space também promete ser uma aventura de revirar o estômago para a EA. A velha fórmula de sucesso do setor era simples: licenciar um filme popular ou título esportivo e então produzir versões ligeiramente atualizadas de títulos como "Madden NFL" ou "James Bond" ano após ano. Mas essa abordagem, desenvolvida em parte pela EA, não funciona mais. As vendas estão caindo e os jogos não despertam mais interesse. "Estamos chateando demais as pessoas", diz John Riccitiello, executivo-chefe da EA.

Com o Dead Space, a EA pretende romper com os velhos modelos de desenvolvimento e venda de jogos para videogames. A empresa está encorajando seus funcionários a ser mais criativos, pensando além do joystick desde o início de um projeto. A idéia é criar a próxima franquia Batman ou X-Men invertida, com um jogo de sucesso levando a histórias em quadrinhos populares, programas de TV, livros e até mesmo filmes. O Dead Space, um jogo em que um engenheiro chamado Issac Clarke luta para permanecer vivo em uma espaçonave cheia de criaturas perigosas, será a base de programas de TV, vídeos da internet e revistas em quadrinhos, que a EA está desenvolvendo com alguns parceiros. A primeira revista Dead Space chegou às bancas de revistas e jornais americanas em 3 de março. "A estratégia é bastante inovadora, inteligente e algo que deveria ter sido feito há muito tempo", afirma David Cole, analista da empresa de pesquisa DFC Intelligence.

A idéia veio de Riccitiello, que assumiu o comando da companhia de Redwood City (Califórnia) em abril de 2007. Ele a chama de "IP-cubed", por causa de sua estratégia tripla de utilizar livros, filmes e videogames para promover a propriedade intelectual da companhia. O Dead Space é o primeiro desses esforços, mas a EA pretende aplicar a tática em todos os seus títulos no futuro. "Estou tentando tornar os videogames uma coisa realmente estimulante. A idéia de produzir seqüências me enche de tédio", diz ele.

Todas essas mudanças implicam novos riscos. Ao longo dos anos, Wall Street passou a reverenciar a EA, em parte por causa de sua previsibilidade. Com os custos de desenvolvimento de um videogame superando os US$ 20 milhões, era tranqüilizador que a EA pudesse criar produtos para uma base de clientes confiável. Ela usou uma fórmula consagrada para tornar-se a maior companhia independente de software de videogame dos Estados Unidos. A nova abordagem de Riccitiello poderá levar a sucessos maiores, mas também a fracassos maiores. "A promoção cruzada é muito boa quando funciona. Mas quando isso não acontece, o projeto pode fracassar", diz Michael Pachter, analista da corretora Wedbush Morgan Securities.

Agora é a hora de arriscar, diz Riccitiello. Os aficionados por videogame não reagiram com grande entusiasmo a muitos dos produtos lançados pela EA no ano passado, incluindo títulos que deveriam servir de mostruário para os novos consoles de videogames, como o Wii, da Nintendo, e o PlayStation 3, da Sony. As vendas estão estagnadas nos US$ 3 bilhões há três anos. Enquanto isso, a rival Activision está crescendo, depois de ter se fundido à Vivendi Games, proprietária do "World of Warcraft". Em 13 de março, Riccitiello destacou que pretende romper com o passado ao lançar uma oferta hostil de compra de US$ 2 bilhões pela Take-Two Interactive Software, criadora do grande sucesso "Grand Theft Auto".

O executivo-chefe também está mudando a maneira como a EA e seus 7.760 funcionários operam. Ele organizou programadores e artistas em estúdios de criação e concedeu a eles mais independência e controle sobre os projetos. Enquanto isso, está aprovando a realização de filmes, livros e objetos para colecionadores, para dar maior visibilidade ao "Dead Space" e 15 outros jogos que serão lançados nos próximos meses. Um dos projetos observados mais atentamente é o Spore, um novo título de Will Wright, criador da super-popular franquia "The Sims". O jogo de Wright, previsto para ser lançado mais no fim do ano, permitirá aos jogadores conduzir a evolução em seus próprios mundos, passando de seres como amebas a criaturas sofisticadas que partem para a colonização de outros planetas.

A idéia é repetir o sucesso de companhias como Marvel Entertainment e Hasbro, que usaram suas bases de fãs para se transformarem de empresas periféricas em jogadoras de Hollywood. Depois de licenciar o Homem-Aranha para a Sony Pictures fazer uma série de filmes de sucesso, a Marvel criou seu próprio estúdio, com "O Homem de Ferro" e outros filmes com lançamento previsto para o terceiro trimestre. O filme "Transformers", apoiado pela Hasbro, rendeu mais de US$ 400 milhões nas bilheterias do mundo em 2007, reforçando as vendas da companhia nas linhas de brinquedos e jogos relacionados ao filme.

-------------------------------------------------------------------------------- "Dead Space", nova aposta da empresa, não é para corações fracos: há uma 'serra-elétrica' para cortar monstros --------------------------------------------------------------------------------

A equipe do "Dead Space", liderada por Schofield, está sendo a pioneira na estratégia IP-cubed. O grupo passa grande parte do tempo em uma sala de 20 por 10 pés cheia de pôsteres do "Dead Space" e consoles de videogames, localizada no quarto andar de um dos prédios da sede da EA, em Redwood City. Poucos dias atrás, a equipe estava tentando finalizar as coisas para o lançamento do jogo durante o Halloween, mas problemas tecnológicos continuavam interferindo. Os produtores Rich Briggs e Chuck Beaver tentavam marcar uma cena que mostra um "monstro terrível" apenas para ver o jogo travar mais uma vez.

Com os dois debruçados sobre o console, Schofield fala sobre como as colaborações iniciais da EA com autores de revistas em quadrinhos e artistas e criadores de cinema ajudaram a melhorar a história do jogo. "As sessões de tempestade cerebral proporcionaram grandes idéias e nos fizeram pensar sobre coisas que de outra forma não teríamos considerado, como 'qual é o peso daquela rocha?'", diz ele.

O executivo pára quando a tela ganha vida. Acontece que Briggs tentou iniciar uma versão mais antiga do jogo. O herói Clarkson está na ponte de comando da espaçonave, com sua sombra caindo sobre a cabine reluzente. Sem nenhum aviso, um "exército" de monstros ataca. Depois de alguns minutos de batalha frenética, o novo megamonstro aparece e a tela escurece.

"Dead Space" não é para pessoas de coração fraco. Há muito sangue e violência. Uma das armas, chamada The Ripper, é usada como se fosse uma serra elétrica voadora, que corta membros dos monstros que atacam o herói. Mesmo assim, o jogo é amigável em relação a outras mídias. A história se desenrola de maneira parecida com um filme, e isso elimina a prática comum no setor de intercalar a ação com explicações na tela e dicas no fim de cada nível. Em vez disso, os jogadores precisam tentar descobrir o que aconteceu na espaçonave, desvelando pistas e juntando informações fragmentadas.

Histórias em quadrinhos e vídeos ajudarão a preencher o palco da ação. Uma série de seis revistas será uma introdução aos jogadores sobre o período de seis semanas que precedem o início do jogo. A EA encarregou uma dupla de astros em ascensão no mundo das histórias em quadrinhos independentes para criar a série - o redator Antony Johnston e o desenhista Bruce Templeton. No terceiro trimestre, a EA começará a oferecer vídeos gratuitos do "Dead Space", ou "webisodes", que poderão ser baixados para o YouTube e outras páginas da internet. E pouco depois do lançamento do jogo, a Film Roman, uma subsidiária da companhia de entretenimento Starz Media, vai estrear uma animação de terror de 85 minutos na TV a cabo e no mercado de DVD. "Estamos sendo autorizados a construir um negócio, em vez de apenas um jogo", diz Schofield.

Scott Greenberg, presidente da Film Roman, diz que desenvolver o filme em conjunto com a EA dá mais força tanto ao jogo quanto ao filme. "O jogo está evoluindo em conjunto com nosso filme", afirma. "Para mim, isso é o futuro."

Riccitiello claramente espera estar na vanguarda. Um sinal de sua ambição é o saguão da sede da EA. Ali, uma tela gigantesca pende do teto, exibindo clips dos jogos mais bem-sucedidos da empresa. Não é difícil imaginá-la em breve exibindo trailers da versão de "Dead Space" para o cinema, estrelada por, digamos, Will Smith ou Vin Diesel. "Estamos muito animados com essa possibilidade", diz Riccitiello, "mas ainda é cedo". (Tradução de Mário Zamarian)