Título: A bolsa que o gringo vê
Autor: Felipe Frisch
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, EU &, p. D1

Aavaliação de que a bolsa estaria barata em dólar pode deixar de ser realidade em breve. Um levantamento do Valor Data mostra que, dividido pelo valor da moeda americana, o Índice Bovespa, que reúne os principais papéis negociados no mercado, estaria em 10.190 pontos no dia 11, equivalentes a 26.670 pontos em reais. Com isso, o índice volta para os níveis de março de 2000, quando chegou a 10.199 pontos em dólar, ou 17.820 em reais. Ainda não são os 12.620 pontos dolarizados de julho de 1997, mas é importante lembrar que nesta época a relação entre o real e a moeda americana era de praticamente um para um. O desempenho do índice em dólar chama a atenção também quando comparado com os das bolsas americanas. Enquanto o Nasdaq e o Standard & Poor's 500 registram perdas de 49% e 18%, respectivamente, de 2000 até 11 de fevereiro de 2005, o Índice Bovespa subiu 6,7% em dólar desde janeiro de 2000. Um desempenho modesto, devido às fortes quedas de todos estes índices entre 2000 e 2002, e que no Brasil teve sua influência negativa ampliada pela forte alta da divisa americana. A virada aconteceu no fim do ano passado, ajudada pela recuperação do real. E a vantagem aumentou com a recuperação da bolsa nos primeiros dias de fevereiro. Consideradas as variações cambiais, a queda de 10,72% do índice em 2000 aumentaria para 18,32% em dólares. O mesmo em 2001, onde a perda sobe de 11,02% para 25,02% e em 2002, quando os 17,01% negativos viraram 45,5% de perda. Em todos os anos, a queda em dólar é maior do que a do Dow Jones, por exemplo, com desvalorização de 6,18%, 7,09% e 16,76%, respectivamente. Em 2004, o Ibovespa subiu 28,23% em dólares (17,81% em reais), à frente dos 3,15% do Dow Jones, dos 8,6% da Nasdaq e mesmo dos 9% do S&P 500. Segundo analistas, o distanciamento da bolsa brasileira mostra uma menor correlação. A melhora coincide com a volta dos investidores estrangeiros na Bovespa. Mesmo com o recesso do carnaval, em fevereiro, apenas até o dia 9, os estrangeiros acumulam um saldo positivo de R$ 931,7 milhões. Já é mais do que os R$ 575,4 milhões do mês passado inteiro e próximo do R$ 1,035 bilhão total de dezembro. Com isso, a participação destes investidores no volume da Bovespa está em 34,4% em fevereiro, mantendo-se como o grupo com o maior percentual do volume. Em seguida, vêm os institucionais (27,2%) e as pessoas físicas (24,7%). Em 2000, início do levantamento, a fatia das aplicações externas era de 22% e as instituições financeiras eram o maior grupo, com 36,7% (hoje 11,9%). De junho a outubro, o saldo de estrangeiros na Bovespa ficou negativo, recuperando-se apenas em novembro, que teve uma captação de R$ 852 milhões. Esse aumento da participação neste ano mostra que, mesmo com a queda do dólar e o investimento mais caro para o estrangeiro - que precisa de mais dólares para investir em reais aqui -, a bolsa continua sendo um chamariz para estes investidores do exterior. "O dólar mais fraco faz o estrangeiro pagar mais caro aqui, mas os múltiplos brasileiros ainda são muito baixos e as expectativas de lucro para as empresas são muito boas", explica Álvaro Bandeira, diretor da Ágora Sênior. A entrada de dólares via mercado de ações também ajuda a divisa americana a continuar se desvalorizando. Bandeira destaca os recentes balanços anuais de empresas como Bradesco, com lucro recorde de R$ 3,06 bilhões em 2004, e da Gerdau, de R$ 3,2 bilhões e R$ 157,9% acima de 2003. Os "múltiplos" a que ele se refere são o preço/lucro (P/L) e o EV/Ebtida. O primeiro divide o preço das ações pelo lucro líquido anual a que cada papel (ou lote) corresponde. O resultado dá uma idéia do número de anos necessários para recuperação do investimento, imaginando-se que a companhia manterá o mesmo lucro e o distribuirá integralmente nos anos seguintes. Na prática, se o P/L é baixo, isso indicaria que a ação estaria barata. Já o EV/Ebitda é obtido pelo valor de mercado da empresa descontado a dívida líquida e dividido pela geração de caixa. "Os múltiplos dos mercados emergentes têm que ser mais atraentes do que os de empresas americanas, por exemplo, para atrair aplicações, mas, de qualquer forma, o caso brasileiro é bastante atraente", avalia Bandeira. A forte entrada de investimentos estrangeiros neste mês chama a atenção e reflete um ajuste das carteiras dos grandes investidores, afirma Ricardo Pinto Nogueira, superintendente de Operações da Bovespa. "Às vezes nem é o mercado brasileiro que está tão atrativo, mas outros que já subiram demais ou tiveram algum problema que fazem os grandes bancos destinarem uma pequena parte para o Brasil, o que já provoca impacto", diz. Segundo Álvaro Bandeira, os papéis preferidos pelos estrangeiros são os de maior liquidez, para facilitar a entrada e a saída dos recursos. Estão no pacote as ações de Petrobras, Companhia Vale do Rio Doce, Caemi, Tele Norte Leste Participações (controladora da Telemar), Gerdau, Companhia Siderúrgica Nacional e Brasil Telecom. No topo da lista de compras atual, no entanto, estão os bancos Bradesco, Unibanco e Itaú. Além deles, os papéis de siderúrgicas, mineradoras, Petrobras e petroquímicas. No Ibovespa, as maiores altas em dólar em 2004 foram Acesita PN (165%), Ipiranga Petróleo PN (132%) e Braskem PNA (118%). Nas mais negociadas, Tele Norte Leste PN subiu 3,06% em reais e 12,18% em dólar e Petrobras, 35% em reais e 46,94% em dólar.