Título: Produtividade sobe acima do salário este ano
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2008, Brasil, p. A3

Bráulio Borges, economista da LCA Consultores: aumento firme de produtividade mostra um cenário favorável para a evolução da inflação Nos 12 meses até fevereiro, a produtividade do trabalho na indústria cresceu 4,6%, acelerando o ritmo em relação ao ano de 2007, quando o indicador subiu 4,1%. Esse aumento de eficiência - tanto em 2007 como nos 12 meses até fevereiro - superou o ganho real médio dos salários, que ficou em 3,1% no ano passado e agora recuou para 2,85%, segundo pesquisa divulgada ontem pelo IBGE. É mais um sinal de que o crescimento da indústria ocorre de modo sustentável, sem pressões inflacionárias relevantes.

A diferença entre produtividade e salário passou de 1 ponto percentual no ano passado para 1,8 ponto. Isso equivale a uma queda de 1,7% do custo unitário do trabalho (CUT) em termos reais, uma boa notícia para o controle da inflação. Há algumas pressões localizadas, como em indústrias extrativas e no setor de coque, refino de petróleo e álcool, mas o quadro geral é bastante favorável.

"O CUT negativo mostra que os ganhos de produtividade das empresas superam os reajustes acima da inflação concedidos aos trabalhadores", diz o economista Bráulio Borges, da LCA Consultores. Em 2007, o CUT, que mede o custo da mão-de-obra para produzir uma determinada mercadoria, teve queda de 0,96%, descontada a inflação. Para ele, isso é fundamental num momento em que as companhias enfrentam outras pressões de custos, como eventuais elevações dos preços de matérias-primas e insumos. "É uma tendência que ajuda a reduzir repasses do atacado para o varejo."

Para o Departamento de Pesquisa e Estudos Econômicos do Bradesco, a trajetória do CUT mostra que, ainda que os salários estejam aumentando - um reflexo do aquecimento no mercado de trabalho - , a expansão da produtividade na indústria é mais intensa, o que minimiza os impactos da alta salarial em diferentes setores. O CUT tem ficado em terreno favorável para a inflação de bens industriais. Para os economistas do Bradesco, isso não quer dizer, porém, que a demanda não esteja extremamente aquecida e que não seja necessário um ajuste nos juros. Na avaliação do banco, a indústria enfrenta fortes pressões de custos por conta do aumento nos preços das commodities. O Bradesco aposta em um aumento na taxa Selic, começando por uma alta de 0,25 ponto percentual já na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana que vem.

Borges destaca o fato de o crescimento da produtividade ocorrer com aumento simultâneo da produção, que cresceu 6,85% nos 12 meses até fevereiro, e do número total de horas pagas aos trabalhadores, com alta de 2,12% no período. Não há destruição de emprego, pelo contrário. É um aumento de eficiência virtuoso, que ocorre com mais força na indústria de transformação. No segmento, a produtividade subiu 4,7%, enquanto que as indústrias extrativas tiveram elevação de 3,5%.

Para Borges, a maturação do investimento é importante para explicar os fortes ganhos de eficiência da indústria. Com o forte crescimento das compras de máquinas e equipamentos, as empresas apostam na modernização dos processos produtivos, diz Borges.

Os maiores destaques são os segmentos de máquinas e equipamentos e fabricação de meios de transporte. No primeiro, a produtividade cresceu 8,3%, ao passo que o salário médio caiu 5,9%, descontada a inflação. Nesse caso, a diferença entre a produtividade e os salários ficou em 14,2 pontos percentuais, uma situação muito confortável do ponto de vista da inflação. A produtividade na fabricação de meios de transporte (onde está a indústria automobilística) avançou 8%, bem mais que o 1,71% do ganho real médio dos salários. Para o economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, isso indica que, nesses dois segmentos, uma parcela maior dos ganhos de produtividade está indo para a empresa. "Em tempos de altas generalizadas dos preços de commodities, o aumento dos salários compete com os aumentos de custo de matéria-prima. Se os custos de matéria-prima não tivessem subido tanto, talvez os ganhos salariais pudessem ser maiores nessas empresas."

Em comparação com fevereiro do ano passado, o ritmo de expansão da produtividade mais do que dobrou, saindo de um crescimento de 2,1% para 4,7%, observa Thaís Zara, economista da Rosenberg Consultores Associados. A variação da folha de salário médio real foi menor, saindo de 1,6% para 2,85%. "O ganho de produtividade acima do aumento da folha mostra que parte dos ganhos ficaram retidos na indústria, não se traduziram totalmente em poder de compra extra para os trabalhadores, pelo menos na maioria das áreas." Pelos cálculos do Valor, as diferenças entre produtividade e salário mais significativas ocorreram nos setores de máquinas e equipamentos, borracha e plástico, meios de transporte, madeira, vestuário, calçados e couro.

Fernando Sarti, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), avalia os números com mais otimismo. Para ele, as indústrias estão conseguindo responder à demanda aquecida com ganhos de produtividade, mas elevando pouco os custos trabalhistas, o que ajuda a contrabalançar o aumento dos custos com insumos. "As indústrias estão conseguindo responder com produção sem ter tantas pressões." Sarti também considera que a expansão de produtividade em alguns setores, como o de máquinas e equipamentos e minerais não-metálicos - que elevaram mais a produção que as horas pagas e não registraram aumento significativo no uso de capacidade instalada nos últimos meses - também pode refletir a maturação de investimentos iniciados em anos anteriores.

No setor de coque, refino de petróleo e álcool a situação é menos favorável. A produtividade caiu 5,4% nos 12 meses até fevereiro, período em que a produção aumentou 4,7% e o número de horas pagas, 10,7%. Vale diz que o segmento "teve vários problemas de produção no ano passado, com paradas técnicas em plataformas que atrapalharam o refino também". Borges lembra que o setor também sofreu com o atraso no aumento esperado da capacidade instalada. As empresas contrataram mais, mas não houve a expansão produtiva no tempo que se esperava. O salário médio real cresceu 1,75% no segmento, mas, como a produtividade teve queda, o CUT registrou alta de 7,6%, indicando pressão de custo.

As indústrias extrativas também viram a produtividade, com alta de 3,5%, crescer menos do que os salários (aumento de 8,1%). Para Borges, o problema aí é a falta de mão-de-obra qualificada, enfrentada por empresas como a Vale do Rio Doce. Ele acredita, porém, que são problemas localizados. A situação geral da indústria é positiva, e os salários não aparecem como ameaça inflacionária consistente.