Título: Sempre é hora para investir na bolsa com visão de longo prazo
Autor: Fernando Camargo
Fonte: Valor Econômico, 15/02/2005, EU &, p. E2

Desde o início do ano, dois assuntos vêm tomando grande parte do espaço econômico nos jornais: a valorização do real e o possível, potencial e provável aumento dos juros nos Estados Unidos. Muitos investidores, sem entender a relação destes itens com seus investimentos, tomam de modo geral duas atitudes: ficam parados (e perdem um percentual do CDI por mês como custo de oportunidade) ou colocam os recursos em instrumentos supostamente mais protegidos. Assim, vamos direto ao ponto: é hora de entrar no mercado de ações? Na última reunião do Copom foi decidida a elevação da taxa Selic, elevando-a para 18,25% ao ano. Entretanto a mais importante informação foi a sinalização de que os aumentos irão continuar. O governo está casado com a austeridade da política econômica, principalmente por causa da meta de inflação para 2005, de 5,1% pelo IPC-A. É consenso no mercado que esta meta é estreita e, por isto, a forma de manter sob controle o repasse de preços é via uma taxa de juros salgada. Espera-se segurar parte do crescimento em troca de uma solidez econômica no longo prazo. Considerando-se uma elevação muito gradual dos juros americanos (como a última elevação de 0,25%), espera-se no médio prazo maior entrada de divisas no país e uma conseqüente valorização da moeda brasileira frente ao dólar, gerando possivelmente mais intervenções do Banco Central. Os novos contratos de "swap" cambial do governo foram lançados a fim de diminuir mais ainda a exposição do país a oscilações de moeda, o que é bom. Em uma análise simples: não há indícios de valorização do dólar no curto prazo. Nos EUA, o aumento dos déficits eleva a necessidade de financiamento da dívida pública. Hoje, sabemos que grande parte dessa dívida é suportada por recursos vindos dos países asiáticos, que investem grande parte dos volumes oriundos de exportação nas próprias notas do tesouro americano, segurando a valorização de suas próprias moedas. Com moedas subvalorizadas os produtos asiáticos tornam-se ainda mais competitivos no mercado internacional, o que aumenta ainda mais a entrada de dólares nestas economias. Independente do não interesse na valorização, algumas moedas asiáticas já começaram a se valorizar por conta deste excesso de dólares entrantes. É natural que com o mercado de títulos americanos encharcado de dólares asiáticos, o euro seja o próximo destino. É o que está acontecendo também com a valorização do euro frente ao dólar. Não se tem ainda sensibilidade exata sobre quando o Banco Central Europeu resolverá intervir no mercado para segurar esta valorização visto que, seguindo a mesma lógica acima - um euro sobrevalorizado prejudica as exportações do velho continente. Análises de diversos bancos europeus indicam que este patamar de intervenção está próximo. Com o real se valorizando e com os juros americanos aumentando lentamente, talvez não seja uma boa hora para investir em empresas exportadoras visto que muitas delas já estão "precificadas". Com o dólar em um nível menor do que em 2004, suas receitas de exportação tendem a diminuir. Se forem companhias cuja base de receita for exportação de commodities, pior ainda, pois além do dólar, os preços lá fora estão cedendo, diminuindo ainda mais o potencial de receita em 2005. A exceção é quem estiver disposto a investir no aumento do preço do minério de ferro. Apesar das negociações em andamento, os argumentos para o aumento são extremamente válidos visto que os outros componentes do aço tiveram boa alta no último ano. Pensa-se, então, em Vale do Rio Doce. Não podemos esquecer que a Caemi Metais, dona da MBR e quarta maior mineradora de ferro do mundo também possui ações em bolsa. Com uma produção de 40 milhões de toneladas por ano de minério de ferro, a Caemi está fazendo investimentos para aumentar sua produção para 45 milhões de toneladas somente com otimizações em suas próprias minas Tamanduá, Capitão do Mato e Capão Xavier. Dentro da mesma cadeia produtiva, empresas como Ferbasa e Magnesita também foram beneficiadas com aumentos dos seus produtos, ferro-ligas, de aproximadamente 40% no ano passado. Apesar de serem empresas de menor liquidez em bolsa, quando se investe em ações visando ganhos de longo-prazo, papéis de menor liquidez não podem ser desconsideradas na montagem de um portfólio equilibrado. Entre as siderúrgicas, uma que está bem posicionada é a Acesita. A empresa desde 2001 vem tentando estimular o uso do aço inoxidável no Brasil, especialmente na construção civil. Só para este setor, em 2004, as vendas cresceram 14,7% em comparação a 2003. O consumo de aço inox no Brasil, no entanto, é muito baixo em comparação com outros países - um quilo por ano por habitante, enquanto nos EUA e Europa, o consumo é 18 quilos e na Ásia, 25 quilos por ano por habitante. Certamente, movimentos de mercado criam a todo momento oportunidades. A questão principal é saber relacioná-los com cada agente do mercado e cada empresa que pode formar um portfólio vencedor. O mercado está maior, mais regulado e mais complicado para investidores aventureiros. Sempre é hora para se fazer investimentos em ações com horizonte de longo prazo. O que precisamos entender é que o ciclo econômico das empresas se relaciona com todos os outros eventos do mundo e que a forma como seus gestores reagem a estes movimentos é o que fará a diferença entre ganhar ou perder dinheiro.