Título: Alta de impostos abala a base de apoio de Cristina
Autor: Rocha , Janes
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2008, Internacional, p. A11

Na luta contra o aumento dos tributos sobre as exportações de grãos, os produtores rurais argentinos pararam o país mas não conseguiram o que queriam. Os tributos não baixaram. No entanto, o movimento abriu uma discussão até agora ausente entre os aliados do governo, sobre o destino do dinheiro arrecadado. E acabou provocando um abalo na sólida base de sustentação política construída ao longo da gestão do ex-presidente Nestor Kirchner (2003-2007), marido da atual presidente Cristina Fernández de Kirchner.

No dia 11 de março, o Ministério da Economia anunciou um aumento das retenções sobre a exportação de soja, de 35% fixos para até 44%. Revoltados, os produtores fecharam as estradas em protesto, causando desabastecimento de alimentos no país.

Pressionados por suas bases eleitorais, governadores e prefeitos das províncias mais atingidas pelo protesto do campo - Córdoba, La Pampa, Mendoza, San Juan, La Rioja e Santa Fé - começam a levantar em público a discussão sobre a finalidade do dinheiro que o governo vai arrecadar a mais do campo, exigindo maior participação nessa receita.

Com o aumento dos tributos sobre a soja e o girassol, o governo vai arrecadar 37 bilhões de pesos em 2008, equivalentes a US$ 11,6 bilhões, calcula o economista Orlando Ferreres, ex-vice-ministro de Economia no governo Carlos Menen e dono da consultoria OFJ. As retenções são cobradas não apenas sobre produtos agropecuários, mas também sobre a exportação de derivados de petróleo e minerais.

"Um dos usos desses recursos é reforçar o superávit primário das contas públicas", diz Ferreres. Os outros são comprar dólares para manter estável a cotação e fazer frente aos subsídios. O governo argentino distribui subsídios entre os setores de transportes públicos, comunicações e indústrias de alimentos, entre outros atrelados ao mercado internacional, seja pelos custos (combustíveis que movimentam os ônibus), seja para compensar a renda de exportação de produtos cujas vendas ao exterior estão restringidas (como leite, milho e trigo). O objetivo é neutralizar o efeito das elevações de preços externos no mercado doméstico e controlar a inflação.

Ferreres diz que este ano o governo vai desembolsar 16 bilhões de pesos em subsídios - incluindo os que prometeu dar aos pequenos agricultores para que eles interrompessem a paralisação. Se não fossem as retenções, ao invés do superávit fiscal 25,6 bilhões de pesos acumulados em 2007, o governo argentino teria um déficit de 20 bilhões de pesos. Este é o resultado da diferença entre receitas e despesas (déficit de 1 bilhão de pesos) mais 19 bilhões de juros da dívida.

Segundo dados da consultoria AgriPac, no ano passado, as retenções totalizaram US$ 4,8 bilhões, equivalentes a aproximadamente 15,2 bilhões de pesos. As retenções sobre exportações não começaram com o casal Kirchner, mas desde 2004, primeiro ano de Néstor, até 2007, a arrecadação do governo com as retenções subiu mais de 111%.

Até agora, poucos questionavam a aplicação de tributos à exportação e as críticas vinham apenas dos prejudicados por elas, nunca dos políticos aliados. Mas, depois da manifestação dos ruralistas, os líderes provinciais não conseguem disfarçar o aborrecimento com a forma como o governo aumentou as retenções, sem consulta prévia, e pela reação que o aumento do tributo causou nas bases eleitorais.

A valentia dos governadores cresce proporcionalmente à queda da popularidade da presidente Cristina Kirchner. Desde que fez o primeiro discurso, no dia 25 de março, exigindo que os produtores levantassem a paralisação, Cristina vem caindo nas pesquisas. O último levantamento, feito pelo estúdio Römer, divulgado pelo jornal "La Nación" no domingo, mostra que a imagem positiva da presidente caiu 8 pontos, de 46% para 38%; os que a acham regular passaram de 36% para 44%; os que têm uma imagem negativa de Cristina passaram de 12% para 17%.