Título: IPO: o retorno?
Autor: Cotias, Adriana ;Fregoni, Silvia
Fonte: Valor Econômico, 09/04/2008, EU & Investimentos, p. D1

Depois da estiagem do primeiro trimestre, a Hypermarcas será a primeira a testar, na semana que vem, a disposição dos investidores para ofertas públicas iniciais (IPO, em inglês) no pregão tradicional. A companhia, que tem um cardápio variado de atuação em bens de consumo não-duráveis - higiene e limpeza, alimentos, cosméticos e medicamentos -, pode levantar até R$ 1,184 bilhão e servir de termômetro para outras operações que estavam à espera da melhora das condições de temperatura e pressão do mercado. Logo em seguida virá a Le Lis Blanc, do ramo têxtil de luxo, que entre papéis novos e dos sócios pode movimentar até R$ 382 milhões.

Desde o lançamento da Tempo, em meados de dezembro, só a Nutriplant topou abrir o capital em meio ao revés externo. A listagem foi no Bovespa Mais, dedicado a empresas e operações de menor porte e com distribuição restrita a investidores qualificados. Somente agora é que o varejo terá a chance de avaliar histórias alternativas ao que já está no pregão.

A Hypermarcas direcionará entre 10% e 15% das ações para esse público, enquanto a Le Lis Blanc, até 20%. A principal diferença, além do tamanho das ofertas, é que, no caso da grife têxtil, o filtro anti-especuladores será acionado, privilegiando quem tem perfil de longo prazo. As reservas vão do dia 14 até o dia 22. O cronograma da Hypermarcas, por sua vez, prevê adesões até o dia 15, fechamento do preço no dia seguinte e estréia na bolsa na sexta-feira, 18.

Com os EUA na iminência de uma recessão, há ainda dúvidas se esse é um recomeço para os IPOs brasileiros. Se a CVM tem recebido um fluxo novo de operações para avaliação, ainda está na memória a grande leva de adiamentos que se viu num passado recente. Dos 19 processos em análise na autarquia, 12 estão interrompidos. "O sucesso dessas duas operações deve ser crucial para que outras companhias, com processos interrompidos, peçam a retomada da análise", diz o superintendente de registros da CVM, Felipe Claret.

Ele esclarece que as ofertas podem ficar congeladas por 60 dias úteis a partir da suspensão e que outros prazos, como a solicitação de exigências, podem ser usados pelas companhias para ganhar tempo enquanto os ventos do mercado sopram contra. Aquelas que quiserem lançar ações ainda em abril têm de correr porque, a partir do fim do mês, os prospectos terão de incluir as demonstrações financeiras do primeiro trimestre. A lista de candidatas pode crescer com os registros iniciais de companhia aberta pedidos nas duas últimas semanas pela Multiner (de energia), Líder (de transporte aéreo) e LLX Logística.

Nessa primeira fase, Hypermarcas e Le Lis Blanc serão um termômetro para medir a disposição dos investidores para os IPOs, diz o diretor de Renda Variável da HSBC Investments, Eduardo Favrin. "No nosso caso, ainda é baixa", admite. Diante das dezenas de opções que vieram a mercado ao longo de 2007, ele prefere olhar o que já está no pregão. "Entre escolher uma história desconhecida, não testada, e outra que está há mais tempo no mercado, é preferível pinçar oportunidades entre aquelas que já mostraram resultados."

Apesar de considerar o segmento de consumo promissor, Favrin acha que esses IPOs estão longe de representar uma firme retomada. "Teremos 'dois anos' em 2008, com um primeiro semestre ainda fraco e o segundo um pouco melhor." Para ele, o pior cenário possível, de risco sistêmico, que afetaria a saúde financeira dos bancos americanos, já não é o mais provável. Mas ainda é preciso monitorar os indicadores econômicos globais e dos EUA para avaliar o quanto da desaceleração será transmitida para o preço dos ativos.

Como a aversão ao risco aumentou, a tendência é de os investidores pedirem um desconto maior, diz a professora Marina Yamamoto, coordenadora do MBA em Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Melhor para quem quiser se antecipar à recuperação que pode vir no avançar do ano, com opções novas de longo prazo. Para as aspirantes ao pregão, o risco é definir o preço das ações num momento ruim. "Às vezes, o risco da empresa e de certos setores é menor do que o de mercado e, talvez, seja por isso que as companhias decidiram bancar as ofertas agora", afirma. "Se for bem-sucedida num cenário de incerteza, a empresa sai fortalecida, será lembrada por isso."

O sucesso das ofertas de ações depende do grau de preparação da empresa (governança corporativa, transparência, administração, gestão de risco), do setor e do porte da companhia e do momento do mercado, avalia Arleu Aloisio Anhalt, presidente da Financial Investor Relations (Firb), consultoria que auxilia empresas em aberturas de capital. Ele acredita que ainda é cedo para falar em reabertura do mercado, mas destaca que há uma fila de companhias atentas às condições e oportunidades. "As operações em andamento servirão de sinalização para outras empresas."

A Hypermarcas, que tem sob seu guarda-chuva diversos segmentos de bens não-duráveis, pode tirar vantagem do ingresso de um grupo grande de brasileiros na classe média, diz o coordenador do Centro de Estudos em Finanças (CEF) a FGV-SP, William Eid Junior. "Qualquer variação nos níveis de renda nos extratos da população pertencente às classes D e E resulta, primeiro, no aumento do consumo de itens de higiene e laticínios."

A companhia é bem gerida e apresenta um histórico forte de crescimento, diz o sócio da Value Consultoria, Rodrigo Pasin. Outro IPO que tende a ser disputado, acrescenta, é o da Visanet, esperado para junho ou julho. "Dificilmente o mercado será comprador para todos os IPOs que aparecerem", ressalva. A Le Lis Blanc, por sua vez, atua no segmento de luxo e vem com uma oferta pequena. Para Pasin, os IPOs devem engrenar mesmo após as férias de verão no Hemisfério Norte.