Título: Preços industriais são âncora para inflação, avalia Fiesp
Autor: Lamucci , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2008, Brasil, p. A3

Francini: aumentar juros é receitar quimioterapia para quem não tem câncer Uma economia que cresce com a inflação sob controle, com pressões localizadas decorrentes da alta das commodities agrícolas e metálicas, na qual a indústria cumpre o seu papel de aumentar a capacidade produtiva e a produtividade. Esse é o diagnóstico "não-inflacionário" de um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que ressalta o papel de âncora para os preços exercido pelos produtos industriais: no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), a inflação desses bens subiu 3% nos 12 meses até março, bem abaixo dos 4,7% do índice "cheio". Com esse comportamento, outros grupos de bens e serviços podem subir mais, sem que isso afaste o IPCA do centro da meta de inflação, de 4,5% para 2008 e 2009, defende a Fiesp.

Para o diretor titular do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos (Depecon) da Fiesp, Paulo Francini, esse cenário mostra que não há motivos para o Banco Central (BC) elevar os juros. Ele não vê pressões de demanda relevantes, avaliando que as altas de preços mais fortes se devem a choques de oferta, que jogaram para cima as cotações das commodities. "Não há uma disseminação por toda a economia. Você pode aumentar a Selic para 22% que isso não vai afetar as cotações internacionais do trigo", diz Francini, para quem, no entanto, o BC vai começar um ciclo de alta dos juros na semana que vem. Para ele, o discurso recente da autoridade monetária a fará cumprir a ameaça de elevar a Selic. "É como receitar quimioterapia para alguém que não tem câncer, dizendo que se trata de uma terapia preventiva", compara Francini, preocupado com os efeitos sobre as decisões de investimento e a taxa de câmbio.

Francini destaca a forte alta de investimentos em curso na economia, enfatizando o aumento do consumo aparente de máquinas e equipamentos (produção mais importação, menos exportação). Em 2006, a expansão foi de 10% e em 2007, de 18%. "No primeiro semestre do ano passado, o crescimento foi de 15,7% e no segundo, de 20%. Em janeiro e fevereiro deste ano, a alta do consumo aparente ficou em 27,2% em relação ao mesmo período do ano passado", afirma Francini, para quem isso deixa claro que a indústria está aumentando a sua capacidade produtiva, o que ficaria evidente no comportamento recente do nível de utilização da capacidade instalada (Nuci).

Números da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, em fevereiro, o Nuci ficou em 82,9%, abaixo dos 83,1% de janeiro, na série com ajuste sazonal. O estudo da Fiesp traz ainda uma simulação mostrando que altas mais fortes da capacidade instalada se traduzem em inflação quando a moeda está desvalorizada. "A resposta inflacionária é fraca em tempos de moeda valorizada como o atual, significando dificuldade de repasses de custos devido à maior concorrência dos importados."

Francini diz que a situação dos preços industriais é confortável, tanto no varejo como no atacado. No IPCA, eles subiram 3% nos 12 meses até março - equivalente a 64% da elevação do índice cheio. O aumento dos preços da indústria de transformação no atacado é mais forte - 6,44% nos 12 meses até fevereiro, segundo o Índice Geral de Preços de Mercado (IGP-M) -, mas não preocupa a Fiesp.

Para o gerente do Depecon da Fiesp, André Rebelo, a alta é muito concentrada, e puxada por produtos influenciados por commodities. Produtos químicos aumentaram 15,12% no período, e produtos alimentícios e bebidas, 13,81%. Para Rebelo, os ganhos de produtividade da indústria - 4,6% nos 12 meses até fevereiro - indicam que o setor tem capacidade de absorver eventuais choques de custos sem repassá-los ao varejo. "Há uma âncora industrial para os preços."

No entanto, há quem discorde da análise da Fiesp, como o diretor de Pesquisa de Mercados Emergentes da Goldman Sachs, Paulo Leme. Para ele, o que há no Brasil é um dos casos "mais lindos e elegantes" de inflação de demanda como os que aparecem em livros-textos de economia. Leme diz que há fortes impulsos fiscais, monetários, creditícios e salariais em curso, que empurraram a inflação de 3,1% em 2006 para 4,7% nos 12 meses até março.

A forte deterioração das contas externas, com explosão das importações, também indica uma demanda que cresce demais, avalia ele. Leme ressalta ainda que as diversas medidas de núcleo estão em aceleração. A que exclui preços administrados e alimentos saiu de 2,6% nos 12 meses até março de 2007 para os atuais 4,42%. "Além disso, os tradables e os non tradables [os comercializáveis e os não comercializáveis internacionalmente] também estão em alta", afirma ele, para quem os juros vão subir na semana que vem, fechando o ano em 13,75% ao ano.

O economista Luís Fernando Azevedo, da Rosenberg & Associados, também vê pressões de demanda que justificam um aperto monetário. Para ele, o comportamento dos serviços e dos "não comercializáveis" - que não podem ser atendidos por importações - mostram uma economia aquecida, com pressões que não se limitam a alimentos. Em 12 meses até março, os preços de serviços acumulam alta de 5,1%, um pouco abaixo dos 5,18% registrados em fevereiro. "Mas esse é um patamar muito elevado." No caso dos não comercializáveis, a alta em 12 meses é de 6,68%, mas bastante influenciada por alimentos in natura, como feijão e tomate. Se excluídos esses itens, a alta é de 4,65%.