Título: Ministérios divergem sobre regra que muda tarifa de importação
Autor: Leo , Sergio
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2008, Brasil, p. A5

Deputado Odair Cunha (PT-MG), relator da MP 413, que está prestes a ser votada: "Vou manter o texto do governo" Prestes a ser votada - com fortes chances de aprovação - no Congresso, a proposta da Receita Federal que altera a tributação sobre a importação de 11 produtos causa constrangimentos ao governo. Na avaliação dos ministérios do Desenvolvimento e de Relações Exteriores, a medida viola compromissos do Brasil no Mercosul e na Organização Mundial do Comércio (OMC). A medida, incluída na MP 413, cria uma tarifa específica, de R$ 10 por quilo ou equivalente, sobre a importação de produtos, como têxteis e vinho, para substituir as tarifas atuais, que são um percentual sobre o valor importado.

"Será uma crise no Mercosul. A Receita não consegue ter uma visão ampla dessas coisas", lamentou o deputado Doutor Rosinha (PT-PR), da Comissão Parlamentar do Mercosul. O Mercosul, lembra, tem uma Tarifa Externa Comum (TEC) aplicada por todos os países-membros, na forma de percentuais sobre o valor do produto importado (ad valorem) com uma lista limitada de exceções. A adoção da nova tarifa unilateralmente desmoraliza os esforços do Brasil para eliminar as imperfeições da TEC, argumenta o deputado.

Quando editada a MP, no início do ano, a tarifa específica, prevista no artigo dois da medida, gerou telefonemas irritados entre os ministérios, e uma queixa formal do secretário-geral do Ministério de Relações Exteriores, Samuel Pinheiro Guimarães, encaminhada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A medida, segundo Pinheiro Guimarães, além de desrespeitar compromissos do país no Mercosul e na OMC, deixava em situação difícil os negociadores brasileiros na Rodada Doha onde uma das principais ofensivas da diplomacia do Brasil mira a extinção desse tipo de tarifa específica, que torna pouco transparente a proteção tarifária sobre diversos setores.

O Brasil se comprometeu na OMC a não aplicar tarifa superior a 35% para nenhum produto, e a aplicação d a tarifa de R$ 10 pode gerar alíquotas de até três dígitos sobre bens importados. Além disso, o artigo incluído pela Receita, segundo argumentou o Ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, desrespeitava as normas do governo, pelas quais assuntos de comércio exterior devem ser submetidos à aprovação dos ministros da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Em reunião da Camex convocada para discutir o assunto, decidiu-se que a Casa Civil tentaria eliminar o artigo durante a discussão no Congresso.

A decisão levantou, porém, forte lobby dos grupos interessados em usar o instrumento para coibir o subfaturamento de importações e a concorrência de mercadorias muito baratas. O artigo polêmico continua sendo defendido, em conversas com deputados, pelos representantes da Receita destacados para negociar a MP 413 com o Congresso (a medida traz diversas alterações na tributação para compensar o fim da CPMF).

"Esse artigo provocou enorme interesse do setor privado. Vou manter o texto do governo", adiantou, para o Valor, o relator da medida na Câmara, Odair Cunha (PT-MG), para quem não faz sentido confrontar o lobby empresarial se o próprio Ministério da Fazenda considera a medida necessária. A medida deve ir à votação na Câmara na próxima quarta-feira.

Acionados pelos empresários, deputados e senadores ligados aos interesses dos setores privados têm defendido a aplicação da tarifa. Na sexta-feira, a Frente Parlamentar da Indústria Têxtil, lançada no Congresso pela líder do PT, Ideli Salvati, incluiu a aprovação e regulamentação da tarifa entre as prioridades, embora a senadora diga que não se envolveu, ainda, na discussão.

"Essa medida me parece injusta, irracional", acusa o senador Renato Casagrande (PSB-ES), um dos poucos que se opõem à proposta da Receita. "A tendência mundial é caminhar para tarifas ad valorem; esse tipo de tributação impõe imposto mais pesado sobre bens de consumo popular e alivia os bens de luxo", argumenta. Os opositores da proposta lembram que, pela medida, a importação de champanhas terá encargo proporcionalmente menor que a de vinhos de mesa; canetas de luxo pagarão menos que lápis escolares.

"O importante é ter o mecanismo (a tarifa); os problemas podemos resolver caso a caso, na regulamentação", argumenta o diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Fernando Pimentel. "Os EUA, a Argentina e outros países usam esse tipo de tarifa. Enquanto isso não se define na OMC, temos de cuidar da nossa vida." A tarifa específica, defende, é a forma mais eficiente de evitar importação com preço subfaturado.

O presidente da Câmara Setorial da Vinicultura, Hermes Zanetti, diretor da Cooperativa Vinícola Aurora, endossa os argumentos do setor têxtil, e argumenta que, embora não se aplique à Argentina (sócia no Mercosul) e ao Chile, com quem o Brasil tem acordo de livre comércio, a tarifa específica deteria importações baratas de países de fora do Mercosul, 33% do total das importações. "Já temos um acordo com os produtores argentinos para criar tarifa específica contra terceiros países", diz Zanetti.