Título: Equívocos nas críticas contra o etanol brasileiro
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2008, Opinião, p. A10

Os humores europeus mudaram e agora voltaram-se contra o etanol. Os principais jornais europeus estampam a nova ofensiva, destinada a provar que não só não há vantagens em adotar seu uso, como no final haveria até prejuízos, com maior emissão de dióxido de carbono. As decisões que a União Européia tomar são decisivas para o futuro do etanol brasileiro. Os europeus tradicionalmente estão na vanguarda das ações ecológicas e apresentaram as metas mais ousadas até agora para conter o aquecimento global. Uma rejeição ao programa do Brasil poderá influir sobre países que ainda não tomaram decisão e poderiam se inclinar a favor do etanol, como o Japão. A campanha antibiocombustíveis ganhou a adesão do Fundo Monetário e da FAO, que colocam seu avanço como uma das principais razões para a alta mundial dos preços dos alimentos, que prejudica as populações dos países mais pobres do mundo.

Há fatos e erros envolvidos nessa história, como sempre em que interesses econômicos poderosos estão em jogo. Um dos erros mais comuns é o de misturar no mesmo argumento o etanol à base de milho, que foi a opção dos EUA, e o etanol à base de cana-de-açúcar utilizado pelo Brasil. A equação de benefícios é abertamente favorável à cana, já que no etanol de milho gasta-se quase tanta energia suja para produzi-lo que as vantagens praticamente desaparecem. O único argumento a favor do etanol de milho não é econômico, e, sim, político. O governo Bush incentivou-o por não querer mais depender do petróleo do explosivo Oriente Médio, nem ter o fornecimento de combustíveis alternativos nas mãos de países que não sejam inteiramente confiáveis para os EUA.

O etanol de milho é um programa caro, que prospera mediante subsídios do governo e distorce preços. Ele de fato concorreu para substituir outras culturas na busca por áreas de produção e deslanchou uma inflação nos preços dos alimentos. Ainda assim, a elevação nos preços dos alimentos tem como fator principal a melhoria do nível de renda e de consumo de centenas de milhões de pessoas na Índia e na China, que antes estavam afastadas do mercado.

O caso do etanol brasileiro é muito diferente. Para a expansão da área de cana-de-açúcar há terra disponível sem cobertura florestal e sem que outras culturas sejam afetadas. Aqui entra uma segunda confusão, que é tornar todos os produtos indiferenciados dentro da rubrica comum dos biocombustíveis. O etanol não é um invasor de áreas já plantadas e as zonas produtoras estão muito distantes da região amazônica. Não é o caso da soja, que vem avançando na direção das florestas, menos por uma fatal atração por matérias-primas para biocombustíveis e mais pela alta das cotações mundiais, puxada pelas vorazes importações chinesas. Há devastação e abusos sendo cometidos também por produtores de soja, mas muito pouco disto tem a ver com programas de combustíveis alternativos.

Este parece ser o ponto principal em que se baseia a guinada contra o etanol na Europa. O estudo publicado pela revista "Science" aponta que a conversão de florestas no Brasil, no Sudeste Asiático e nos EUA para cultivo de grãos e outras plantas para a produção de biocombustível pode gerar emissões de dióxido de carbono maiores do que as que ocorreriam no caso mesmo dos combustíveis fósseis. No mesmo caminho seguiram até economistas bem informados, como Paul Krugman, que escreveu que o etanol proveniente da cana acelera o ritmo das mudanças climáticas "promovendo o desflorestamento". A conclusão é perfeita, se houvesse desmatamento no Brasil com essa finalidade. Não há e bastam ações mais vigorosas do governo brasileiro para provar que os programas alternativos de energia podem prosperar longe da floresta - e dela sequer têm necessidade.

O Brasil tem condições de provar os benefícios do etanol, mas terá de cercar-se de garantias. Zoneamento ecológico proibindo a cana na Amazônia é um deles. Aliás, basta não dar licença de instalação a usinas na Amazônia e não haverá plantio de cana, pois, para a exploração ser viável, a matéria-prima tem que estar próxima à usina. E monitoramento constante, com mais recursos para quem tem a missão de proteger a floresta e coibir abusos - tarefa permanente e, agora, ainda mais importante.