Título: Em defesa do Brasil, país pressiona UE
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2008, Especial, p. A12

O ministro Castro: "UE tem a intenção de habilitar entre 1.000 e 1.500 fazendas" O ministro de Agricultura da Itália, Paolo de Castro, disse ontem ao Valor que a União Européia enviará uma missão veterinária ao Brasil no fim do mês com a intenção de ampliar substancialmente o número de fazendas habilitadas a exportar carne bovina ao bloco. "A UE tem a intenção de habilitar entre 1.000 e 1.500 fazendas, mas precisamos de pelo menos 2 mil fazendas habilitadas, necessitamos da carne brasileira na Europa", disse.

O ministro italiano concedeu a entrevista no vilarejo montanhoso de Albosaggio. Fica na região de Valtellina, um vale que se estende do Lago de Como aos Alpes, marca a fronteira entre Itália e Suíça, e é o centro de produção da bresaola. A Itália importou 15% das 300 mil toneladas de carne bovina brasileira que entraram na UE em 2007. A posição oficial irrita a Coldiretti, que se apresenta como a maior organização agrícola da Europa. A entidade julga "particularmente grave que o ministro, que deveria valorizar a produção italiana de carne bovina, se manifeste pela importação da carne brasileira barata e de zona de risco".

Já o ministro, que afasta o temor de risco, qualificou a posição dos agricultores de "folclórica", pois "não podemos fazer bresaola sem a carne brasileira e todos sabem disso". Um porta-voz da Coldiretti, Paolo Falcioni, retrucou que a Itália tem "boas vacas que podem ser usadas, como no passado", quando não importava carne brasileira.

Representantes de agricultores boicotaram a presença do ministro, alegando que ele tinha atendido convite de "grandes proprietários". O maior produtor de braseola, Emilio Rigamonti, disse não entender por que agricultores italianos também combatem a carne brasileira. "Eles só favorecem a carne da Irlanda, mas pergunto para quê, se não ganham nada com isso". Baseados em relatório de novembro de uma missão da UE, os irlandeses, aliás, prometem pressionar pelo embargo indefinido ao Brasil.

O governo italiano é mais sensível aos argumentos do Brasil até porque produtos da Itália, como a própria bresaola, são proibidos de entrar nos EUA e Japão por causa da suspeita persistente da "mucca pazza", a doença da "vaca louca". Nesse cenário, o ministro Paolo de Castro conclamou o Brasil a tomar duas atitudes para ajudar os importadores europeus. "Primeiro, dêem as garantias que a UE pede sobre rastreabilidade, e depois que continue a enviar cartas fortes, coloque pressão política, porque há resistências fortes também", afirmou, mencionando especificamente produtores da Irlanda.

Na mesma linha, Jean-Luc Meriau, secretário-geral da Associação Européia de Comerciantes de Carnes (UECBV), que inclui importadores de carne, considera que a formação de 200 fiscais no Brasil por inspetores europeus ajudará a desbloquear de vez o embargo. Ou seja, desde que o Brasil garanta a rastreabilidade, não haveria por que limitar o número de fazendas. A UE não respondeu a indagações sobre a data da nova missão ao Brasil. Representante brasileiro, por sua vez, estima que a data não estaria ainda em aberto, podendo ser também começo de maio.

Se é liberal para importar carne brasileira, a Itália fica no meio da briga entre liberais e protecionistas na Europa quando se trata da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os europeus estão mais atentados à negociação após sinais de Genebra de uma possível reunião ministerial em meados de maio. O Reino Unido e países nórdicos querem blindar os resultados de abertura já alcançados pelos negociadores. França reclama e Alemanha exige em contrapartida mais acesso para seus produtos industrializados no Brasil, Índia e China.

Para ele, mais do que inspecionar as fazendas, é preciso cumprir os critérios de auditoria exigidos pela UE. "Não basta auditar, temos que estar conformes [com as regras da UE]. Não temos informações sobre essas novas fazendas, não sabemos se estão 20%, 30% ou 100% dentro das conformidades". "Que critérios vamos usar? Até podemos ter fazendas em condições, mas temos que auditar dentro dos critérios de conformidade exigidos por eles [europeus]".

Apesar da pressão italiana, Inácio Kroetz, secretário de Defesa Agropecuário do Ministério da Agricultura do Brasil, afirmou que a nova lista de fazendas aptas a vender à UE deve demorar. "Não será possível termos essa lista até o fim do mês. Não conseguiremos tirar 1 mil ou 2 mil propriedades de uma hora para outra", disse ao Valor. Os impedimentos para avançar vão além da vontade do governo. "Ainda não temos técnicos suficientes para isso. Teremos 200 fiscais [federais e estaduais] treinados e poderemos fazer até 200 fazendas por dia. Tem os deslocamentos e as questões operacionais que são complicadas", avalia. Kroetz também diz ser necessário o envolvimento dos pecuaristas. "Não depende só dos fiscais, da logística, mas da situação real das fazendas". (AM; colaborou Mauro Zanatta, de Brasília)