Título: Crônica de um embargo anunciado
Autor: Zanatta, Mauro ; Moreira, Assis
Fonte: Valor Econômico, 10/04/2008, Agronegócios, p. B16

Antes de decretar o embargo à carne bovina in natura do Brasil, no início de fevereiro, as autoridades sanitárias da União Européia concluíram que, por "falhas sistêmicas", o governo brasileiro não havia conseguido "garantir" as regras básicas de certificação de fazendas, identificação de animais e controle de movimentação do gado exigidas de seus exportadores.

As considerações, expressas em 28 páginas do relatório final da missão veterinária da Direção-Geral de Saúde e Proteção do Consumidor da Comissão Européia, também reprovam duramente a conduta de empresas certificadoras, acusadas de "não agir dentro da legislação brasileira" e de não detectar "deficiências" que permitiriam o "uso fraudulento de brincos" para "driblar" as regras de permanência mínima do gado em Estados habilitados (90 dias) e na última fazenda aprovada (40 dias) previstas no sistema oficial de rastreamento de gado (Sisbov).

A equipe de auditores europeus visitou o país durante 15 dias, em novembro de 2007. Esteve em 24 fazendas em São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraná. Visitou, ainda, quatro certificadoras, dois postos de fronteira, um porto, um aeroporto, três postos de divisa estadual e seis varejistas de vacina contra aftosa.

Ainda inédito, o relatório oficial de avaliação dos europeus também apontou falhas nos controles oficiais do movimento de gado, que "não serve para reforçar a garantia de exclusão do abate e embarque de animais de áreas não- aprovadas para a UE". Esses controles não são "confiáveis" para garantir as regras de permanência mínima do gado. "A situação atual é tal que as autoridades brasileiras não conseguem dar as garantias a respeito da permanência em áreas [Estados] aprovadas e sobre fazendas aprovadas requeridas pela União Européia", afirma o texto.

A avaliação da UE reconhece, entretanto, "melhorias" no combate à febre aftosa, campanhas de vacinação e controle de divisas estaduais e fronteiras internacionais. Aponta novidades como, por exemplo, a notificação de 72 casos de suspeita da doença "em vários Estados" em 2007. E critica a falta, ao longo dos dez primeiros meses de 2007, de ações de vigilância sorológica no rebanho dos Estados habilitados a exportar para checar a eficácia da vacinação. As deficiências de certificação relativas à emissão dos documentos sem o devido registro na base de dados foram, segundo os auditores, resolvidas com novos procedimentos adotados pelas autoridades brasileiras. A situação da saúde pública foi considerada "em geral satisfatória", embora dois frigoríficos tenham sido descredenciados "por falhas individuas". Outras três fazendas também foram desaprovadas pela missão da UE.

Os europeus recomendaram correção dos problemas no combate à febre aftosa, adaptação a planos de contingência locais, tomar "medidas efetivas" para solucionar definitivamente os problemas com certificadoras, base de dados e controle de animais.

Questionado sobre os detalhes do relatório, o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Inácio Kroetz, afirmou ao Valor desconhecer a versão final do documento. Mas disse que, pelo texto preliminar submetido ao ministério, a situação já havia melhorado com a integração do Sisbov à defesa, cooperação com os Estados, programa de treinamento dos fiscais. "Se tivessem que escrever agora, certamente já considerariam outros aspectos. O clima hoje é bem outro, inclusive em função de visitas de autoridades européias ao país", disse. Em seguida, reconheceu os problemas. "O sistema tinha fragilidades, é claro. Pela própria condução, ele não era capaz de garantir a certificação de 90 e 40 dias". O secretário afirmou que as alterações estão em pleno processo. "Se não garante [as regras], não serve pra eles. Se inventarmos outro sistema, eles aceitam. Estamos preparando um sistema que garante", sustentou. "É um assunto novo e cada um adota o sistema mais conveniente. Esse que apresentamos não garantia. Confirmamos as fragilidades que existiam e começamos treinamento do pessoal, com interpretação de normas, cobrança de responsabilidades e auditorias para ver como a situação muda", afirmou ele.