Título: Os condicionantes da política industrial e tecnológica
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2008, Opinião, p. A14

É racional a decisão do governo brasileiro de não abrir mão da estabilidade fiscal e monetária a fim de assegurar que o crescimento econômico em curso se sustente a longo prazo. É igualmente racional a estratégia do governo Lula de resgatar o papel das políticas industriais e tecnológicas priorizando setores com capacidade de gerar inovações e difundir progresso técnico para o restante da economia, sem os quais a produtividade e, portanto, o crescimento não se mantêm. A melhora dos indicadores educacionais é urgente e difícil, mas não parece desatento ao problema o Ministério da Educação. Então, conviria perguntar: doravante o crescimento econômico brasileiro se sustenta? Há muitas razões para responder que sim, mas também há outras para suspeitar que não necessariamente.

Comecemos pelas condições que aumentam as chances de que o ritmo atual de crescimento não seja do tipo vôo da galinha. Os indicadores de vulnerabilidade externa melhoraram sensivelmente, com destaque para o estoque de reservas e a redução expressiva da dívida externa. As expectativas inflacionárias para 2008, em torno do centro da meta de inflação de 4,5%, estão ainda muito aquém do limite superior de 6,5% fixado pelo Conselho Monetário Nacional. A recuperação econômica vem sendo induzida pela demanda doméstica, com destaque para os investimentos, que crescem num ritmo quase duas vezes superior ao do consumo das famílias.

As perspectivas são alvissareiras se incluirmos os novos mecanismos da política industrial e tecnológica. Dentre as medidas já em execução, é perceptível o papel exercido pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) na reanimação dos "espíritos animais" dos empresários brasileiros e no reforço das expectativas positivas de retorno dos investimentos privados. Sem abdicar da continuidade de metas de superávit primário civilizadas, o PAC já carimba como procedentes os argumentos da atual ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, para detonar veementemente a proposta ultraconservadora e contraproducente de um "ajuste fiscal de longo prazo" que eliminaria, na prática, o incremento marginal dos investimentos públicos.

Detalhes à parte, o fato é que a imprensa já havia divulgado amplamente as prioridades gerais da nova Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE - Fase II ou "Política de Desenvolvimento Produtivo"): fomento dos investimentos para expansão de capacidade produtiva e reestruturação societária, infra-estrutura, inovações e exportação. Mas para que essas prioridades venham a dar frutos requerem-se determinadas condições. No caso brasileiro, algumas condições já se mostram adequadas. Merecem menção o nível relativamente baixo das tarifas médias de importação, a vinculação dos incentivos fiscais e creditícios para capacitação tecnológica ao compromisso de que as empresas privadas aumentem os gastos com pesquisa e desenvolvimento (P&D), o número crescente de empresas públicas e privadas que já se engaja na busca de inovações em processos e produtos e o aparato regulatório relativamente moderno e eficiente.

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Há também por parte do governo melhor percepção de que coordenação entre as várias esferas da política industrial em sentido amplo é requisito importante para que esta tenha desempenho positivo. Prova disso é que o presidente do BNDES e o ministro do Desenvolvimento, sem desavenças públicas, discutem abertamente com o presidente da República, com outros ministros da área econômica e interlocutores externos temas controversos da política econômica, como juros e câmbio. No entanto, é necessário que a coordenação vá além do simples entendimento entre instâncias governamentais. Nesse caso, é notória a falta de consistência entre, de um lado, as medidas destinadas a impulsionar o esforço inovador e, de outro, as políticas macroeconômicas convencionais em curso para lidar com as vicissitudes do ciclo econômico.

É fácil antever que serão parcial ou totalmente perdidos os esforços governamentais voltados para promover o sistema nacional de inovação, o avanço da competitividade das exportações e mesmo o crescimento econômico caso se prolongue no tempo a convivência com taxas de juros reais elevadas e moeda extremamente sobrevalorizada. A essa altura, a pergunta relevante passa a ser: o que fazer para sair dessa situação, engendrada, em parte, pela própria política monetária brasileira? As medidas recentemente implementadas no âmbito cambial, embora minorem, não serão capazes de conter a tendência de apreciação do real. De fato, a queda contínua da taxa de juros americana tem ampliado o diferencial de juros no Brasil e, supondo inalterado o atual nível de risco-país, continuará a prover entradas maciças de capitais de curto prazo em busca de ganhos por arbitragem. Tampouco é possível reduzir abrupta e expressivamente a taxa de juros básica brasileira, sob pena de reverter as expectativas ainda estáveis de estabilidade inflacionária e promover fugas repentinas de capitais estrangeiros.

No entanto, sabendo-se que a autoridade monetária nos Estados Unidos fará o que for possível para evitar ou minorar os impactos recessivos decorrentes do agravamento da crise do subprime, o Banco Central faria um excelente serviço se, pelo menos, sinalizasse ao mercado que as taxas de juros no Brasil não sofrerão aumento, a não ser que se tenham sinais mais concretos de que as expectativas inflacionárias ameacem alcançar o limite superior da meta de inflação, o que não é, por enquanto, o caso. E, uma vez que se tenha maior garantia de que a inflação observada para 2008 ficará em torno da meta, retomasse imediatamente a trajetória de queda da taxa básica de juros, medida mais eficaz para promover o realinhamento cambial. Um aumento intempestivo dos juros no Brasil, a exemplo do deslize cometido a partir do segundo semestre de 2004, só servirá para contaminar as expectativas altamente favoráveis de incremento do investimento privado, travar a retomada do crescimento econômico em curso, agravar a tendência de sobrevalorização do real e condenar o país a mais um período de semi-estagnação.

André Nassif é doutor em Economia pela UFRJ, é economista do BNDES. Os argumentos e opiniões do autor não refletem o posicionamento nem do governo federal nem do BNDES.