Título: Google enfrenta desafio de manter seu encantamento
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Fonte: Valor Econômico, 11/04/2008, Empresas, p. B3

O Google, enfim, descobriu a gravidade. Primeiro, deixou de atingir as previsões de receita de Wall Street no quarto trimestre, algo inédito para a companhia. Depois, alguns informes da empresa de pesquisa comScore, o mais recente de 26 de março, revelou que o número de cliques nos anúncios pagos que aparecem ao lado dos resultados de busca do Google havia basicamente estacionado durante dois meses seguidos, na comparação com os mesmos períodos de 2006. Há apenas seis meses, os cliques cresciam a um ritmo anual de 40%.

Combinadas, as notícias foram suficientes para travar a confiança em relação ao Google. As ações despencaram 38% em relação ao recorde intradiário de US$ 747,24, alcançado em novembro passado. É um dos piores desempenhos no período para uma empresa proeminente de tecnologia. O maior receio: a estagnação da economia poderia trazer a empresa, e seu crescimento sem paralelos, de volta à Terra.

"(Wall Street) inteira ficou cautelosa", diz o analista Rob Sanderson, da American Technology Research. Ele observa que 16 entre mais de 30 analistas reduziram as estimativas de lucro do Google no primeiro trimestre. "Todos estão assustados."

Talvez, uma mudança tão repentina fosse inevitável para uma empresa que parecia quase invulnerável graças a seus negócios imensamente rentáveis e a uma tecnologia de busca tão útil que, em inglês, passou a ser usada como verbo. Mas também poder ser um sinal de que a empresa está enfrentando sua "hora da verdade", como ocorreu com outros fenômenos da tecnologia, como a Microsoft. Será que o Google poderá manter a mágica que a tornou na, talvez, empresa mais encantada do mundo?

Os novos desafios estão se acumulando. Para começar, alguns funcionários-chave começam a deixar a companhia em busca de oportunidades novas, potencialmente mais lucrativas. Entre eles, Sheryl Sandberg, principal vice-presidente de vendas, que saiu no mês passado para tornar-se diretora de operações do (site de relacionamento) Facebook, e Douglas Merril, vice-presidente de engenharia, que sairá no dia 28 para tornar-se presidente de negócios digitais da EMI Music.

Além disso, as tentativas aparentemente dispersas do Google para buscar novas fontes de crescimento com quase qualquer coisa - de anúncios em vídeo na internet até programas para comunicações sem fio -, até agora não geraram muita receita. E as rivais, desde novas empresas como Facebook, até gigantes como Microsoft, intensificam os esforços para capturar maiores parcelas do comércio na internet antes que o Google o faça.

Grande parte das preocupações a respeito das operações do Google poderá mostrar-se infundada. Quando a empresa anunciar o balanço do primeiro trimestre, no dia 17, a receita deverá aumentar pelo menos 40%, para US$ 3,5 bilhões, e o lucro por ação, 22%, para US$ 4,50. Isso apesar da onda desmedida de contratações promovida no ano passado e da elevação dos gastos em pesquisa e desenvolvimento. Eric E. Schmidt, executivo-chefe do Google, e outros executivos, sustentam não ver nenhum impacto nas operações decorrente do enfraquecimento da economia.

Ainda assim, continua incerto como a forma atípica de administração do Google se sairá em tempos mais difíceis. O triunvirato formado por Schmidt e os dois co-fundadores e presidentes, Sergey Brin e Larry Page, encoraja uma cultura única, a do "simplesmente faça", que a ajudou a chegar tão longe, tão rápido.

Contudo, as excentricidades que os investidores achavam tão charmosas com as ações em alta podem tornar-se um teste para sua paciência, caso continuem em queda. A empresa não fornece previsões a analistas do mercado financeiro. Dá a seus engenheiros um dia por semana para que se dediquem a projetos pessoais, sem a fiscalização direta de seus gerentes, o que dificulta - mesmo para os estão na empresa - saber quem está fazendo exatamente o quê. E suas operações de anúncios, governadas por complexas fórmulas matemáticas e secretas atormentam os analistas, que rotulam a empresa de "caixa preta".

É por isso que os dados que gotejaram nos últimos meses sacudiram tanto alguns dos seguidores do Google. Os defensores do site argumentam que a aparente estagnação dos cliques pagos é intencional. O site reduziu a área que pode ser clicada em torno aos anúncios para eliminar os cliques acidentais que não representam compradores ou visitantes sérios. Como resultado, diz um analista, o preço médio por clique nas palavras-chave adquiridas pelos anunciantes aumentou 15% no quarto trimestre. Há céticos de sobra, no entanto. "Venho notando certo enfraquecimento que parece ser provocado pela economia", comenta Kevin Lee, presidente executivo da empresa marketing de buscas Didit.

O Google também enfrenta mais concorrência, decorrente de suas ambições desmedidas. No ano passado, a empresa lançou uma iniciativa para oferecer programas de computador pela internet, como processadores de texto e e-mails, num ataque à Microsoft. Com a compra recém-concluída da DoubleClick, por US$ 3,2 bilhões, e do YouTube, por US$ 1,6 bilhão, a empresa também está preparada para mergulhar nos segmentos de vídeo e de anúncios de internet tradicionais. E apesar de ter perdido recentemente a concessão para faixas de telefonia sem fio para a Verizon Wireless e AT&T, a empresa segue adiante com os planos para software sem fio para a internet.

Ao contrário dos anúncios em serviços de busca, o Google terá de enfrentar concorrentes confiáveis e grandes em todos esses mercados. "Isso é algo que les não tiveram de fazer antes", diz Geoffrey Moore, diretor-gerente de estratégia da consultoria TCG Advisors. Acima de tudo, o Google enfrenta uma Microsoft que engatou a marcha "Kill Google" ("Matar o Google", em inglês) há bem mais de um ano, tento investido bilhões em aquisições no mercado de anúncios e apresentado uma proposta, sem precedentes, de US$ 45 bilhões para assumir o Yahoo.

Assim como outras empresas de ambição e capacidade, o Google depara-se com desafios que poderiam ser muito mais internos do que externos. Foi seu próprio sucesso que criou uma empresa tão grande, com que alguns veteranos agora se sentem inquietos. Além das saídas de executivos, vários engenheiros partiram para lançar empresas, como o serviço de "microblogging" (uma forma de publicação de blog) Twitter e o site de compartilhamento FriendFeed. E com as ações tão baixas, os problemas de retenção de funcionários podem espalhar-se. Centenas ou mesmo milhares de funcionários possuem opções de ações com preço de exercício muito superiores aos atuais.

Por enquanto, a empresa continua sendo um ímã para os jovens especialistas em tecnologia. Tom Kosnik, professor de engenharia e ciências administrativas da Stanford University, observou que os estudantes sentem-se atraídos pela cultura criativa, além da atmosfera universitária e das caras iguarias oferecidas gratuitamente aos funcionários no refeitório. Mesmo assim, pela primeira vez, a empresa encantada poderá ter de fazer uma busca de novas formas para preservar sua magia.