Título: Eleição de Severino marca protesto contra o governo
Autor: Maria Lúcia Delgado e Henrique Gomes Batista
Fonte: Valor Econômico, 16/02/2005, Política, p. A7

Pela primeira vez na história, o presidente da Câmara, terceiro político na linha sucessória, não será do maior partido ali representado. A vitória do deputado Severino Cavalcanti (PP-PE) para a presidência da Casa, por 300 votos contra 195 votos de Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), reflete uma sucessão de erros políticos do governo e do PT, de acordo com diagnóstico de parlamentares. Trata-se do ápice da crise de confiança da base aliada com o governo e do completo desrespeito às representações político-partidárias. O episódio leva o governo a rever toda a cadeia de articulação política e a repensar a interlocução com sua base. A eleição quebra tradições: pela primeira vez o maior partido - no caso o PT - perde a representação da Casa; também é inédita uma disputa com segundo turno. A sessão durou mais de 14 horas e terminou por volta das 6h30 de ontem. São vários os fatores que explicariam o resultado. "O DNA dessa crise foi a emenda da reeleição das Mesas Diretoras", disse um petista. O ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha passou quase quatro meses tentando aprovar a PEC da reeleição para ser reconduzido ao cargo. Isso teria impedido o debate da sucessão no PT. A escolha de Greenhalgh como candidato oficial foi feita sem a devida discussão com aliados. Além disso, Greenhalgh não tinha bom trânsito entre os parlamentares. O processo ressaltou insatisfações de uma base aliada descrente de promessas feitas pelo governo, incomodada com truculências de ministros, e irritada com uma reforma ministerial sucessivamente adiada. Por fim, o PT não conseguiu, mais uma vez, controlar internamente as divergências, uma das principais razões da derrota. Virgílio Guimarães (PT-MG) deixou de lado a disciplina partidária, ignorou apelos do partido e foi até o fim na disputa. "Nunca vi partido de governo ter dois candidatos. É evidente que o governo errou. Se a reforma ministerial já tivesse saído, talvez a candidatura de Severino não tivesse existido", justificou o presidente do PP, Pedro Corrêa (PE). Foto: Hermínio Oliveira/ABr

Severino entre Dirceu e Renan: "Reformas econômicas e política são indispensáveis ao salto que o país deve dar nesse século" Está desenhado um cenário político complexo para o Executivo, intimamente ligado às eleições de 2006. Foi também colocado em xeque o respeito pelas decisões partidárias e majoritárias das bancadas. A eleição de Severino Cavalcanti, conhecido por representar anseio do baixo clero, ou seja, por defender sem nenhum constrangimento temas que incomodam à sociedade mas agradam aos parlamentares sem muita expressão política, como o aumento de salário, pode trazer um grande prejuízo de imagem à Câmara, admitem os próprios parlamentares. Severino aproveitou o momento e conseguiu capitalizar, com uma série de fatos, especialmente o interesse dos deputados em equiparar seus salários de R$ 12,7 mil, ao dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$ 23,5 mil. Coube ao presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, roubar a cena política ontem, durante a sessão solene de abertura dos trabalhos do Legislativo, e deixar os recados mais ácidos aos parlamentares. Imbuído do espírito de ex-parlamentar, Jobim lembrou Ulysses Guimarães: "Não há absolutamente a disputa entre os poderes. Há, isso sim, o dever de cada um dos poderes de cumprimento de suas tarefas político-institucionais. Peço licença para lembrar e repetir as palavras que ouvi aqui, em 1991, da boca de Ulysses Guimarães. Dizia o velho: a história nos desafia para grandes serviços. Nos consagrará se os fizermos; nos repudiará se deserdarmos. Vamos cuidar de coisas grandes. Fica pequeno quem se envolve com coisas pequenas. E o Brasil não perdoará a preocupação com coisas pequenas e individuais", sentenciou Jobim. "Quando se entra numa crise, a primeira coisa a ser feita é parar de cavar o buraco. A saída é tentar entender o processo, ao invés de ficar procurando culpados", definiu o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que do outro lado do Congresso lembrava as conseqüências negativas para a imagem da instituição de disputas históricas e traumáticas na presidência do Senado. Greenhalgh atribuiu a derrota ao governo. "Parte dos votos que não me deram foram resultado da insatisfação com o tratamento dado aos parlamentares individualmente. Os votos da oposição anteciparam na Casa as eleições de 2006", disse. No primeiro turno, Greenhalgh teve 207 votos, Severino 124, Virgílio 117, José Carlos Aleluia (PFL-BA) 53 e Jair Bolsonaro (PFL-RJ) 2. A ordem no governo agora é superar a crise e criar um canal de diálogo qualificado com Severino Cavalcanti. Perplexos e confusos com um resultado inesperado- apesar de a candidatura de Severino, especialmente na última semana, ter crescido a olhos vistos -, petistas e integrantes do governo tentavam preparar o terreno para que a relação entre Executivo e Legislativo seja repactuada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez questão de telefonar para Severino Cavalcanti. O Palácio do Planalto avalia que Severino Cavalcanti não será um rebelde à frente da presidência. Poderá causar transtornos, vai medir forças com o Executivo, mas não vai interferir ou criar problemas para a discussão de projetos fundamentais para a agenda econômica, como a definição do papel das agências reguladoras. A grande incógnita é se terá de fato disposição para colocar na pauta projetos polêmicos como a reforma política, à qual ele próprio e seu partido já manifestaram abertamente várias restrições. Deputados do PP, PL e PTB, que elegeram Severino Cavalcanti, são os principais críticos da reforma. Em discurso ontem na sessão solene do Congresso, de abertura da sessão legislativa de 2005, Severino surpreendeu ao defender a aprovação de "reformas econômicas e da reforma política, tão necessária e postergada". Segundo ele, essas reformas são "indispensáveis ao salto que o país deve dar nesse século, rompendo as barreiras que o separam de países desenvolvidos".