Título: Copom fará 1º aperto em três anos
Autor: Guimarães , Luiz Sérgio
Fonte: Valor Econômico, 11/04/2008, Finanças, p. C1

O Copom do Banco Central irá na quarta-feira cumprir as suas ameaças e descongelar a Selic do patamar de 11,25% em que está desde setembro do ano passado. Fará o primeiro aperto monetário em três anos, já que o último aconteceu em maio de 2005, quando subiu a Selic de 19,50% para 19,75%. A ala majoritária dos analistas aposta em alta pequena do juro básico, dos atuais 11,25% para 11,50%. O IPCA de março acima das expectativas (0,48% quando se esperava 0,35%) diminuiu consideravelmente a ala de instituições que apostava na manutenção da taxa e fez crescer, sem a mesma intensidade, a que prevê elevação de 0,50 ponto. O único consenso entre os analistas é o de que a atual versão do arrocho monetário será mais light e curta. Deve ser interrompido quando a Selic chegar a 12,50% ou 12,75%.

Na visão do economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini, se o BC fizer agora um movimento de aperto monetário estará sendo precipitado. Poderá abortar o crescimento econômico e condenar o PIB potencial a um nível eternamente baixo num momento em que os investimentos produtivos começam a maturar. A indústria cresce com o nível de utilização da capacidade instalada mantido em 83% e sem gerar pressão sobre os preços. Para o Brasil dar um salto em termos de crescimento, há um período em que a maturação tem de ocorrer livremente, sem ameaças de sufocação monetária. O Copom pode desfechar um ciclo de aumento do juro - sabe-se que o BC nunca faz um ou dois aumentos, é sempre uma série de no mínimo quatro altas - quando a contenção do consumo já foi feita pelo avanço recente dos juros de mercado. E quando, por fatores sazonais benéficos (entrada da safra agrícola e queda do álcool combustível), os IPCA deste mês e de maio serão mais baixos. "As expectativas de inflação relatadas pelo Focus estão muito bem ancoradas. Para 2009 e os próximos 12 meses, não há perigo de rompimento da meta de 4,5%", diz Agostini, lembrando que a previsão de alta da Selic, após nove meses congelada, só subiu de 11,25% para 12% e em seguida para 12,50% depois que o BC publicou a última ata do Copom, ameaçadora e furiosa.

"Pelo mercado, não haveria alta nenhuma da Selic até o fim do ano porque a dinâmica da inflação persiste muito confortável. Ela está em aceleração, mas muito pequena. A pressão se localiza em bens de consumo duráveis movidos a crédito. Sobre as altas das commodities não há política monetária alguma que dê jeito", diz Agostini.

O economista-chefe da consultoria UP Trend, Jason Vieira, como Agostini, acredita que o BC não deveria fazer nada agora. Mas como já sinalizou intensamente sua vontade de subir a taxa, dificilmente não seguirá o script. Mas, para Vieira, como se trata de um aumento destinado unicamente a mostrar que o BC está atento e vigilante, será de apenas 0,25 ponto. Em termos de sinalização do grau de vigilância do BC, 0,50 ponto de alta seria excessivo. Do ponto de vista do custo do dinheiro, tanto faz 0,25 ou 0,50 ponto, já que ambos são inócuos. "Os juros do crédito já subiram por causa da crise externa. Como os bancos não conseguem captar dinheiro lá fora, estão tendo de pagar mais caro no mercado doméstico e repassando o custo para o tomador. A taxa não ficará mais cara porque a Selic subiu para 11,50% ou 11,75%", diz Vieira. Mas, para combater a inflação atual, não é necessária alta alguma. O IPCA veio alto por causa de um fator sazonal (o vestuário) e outro pontual (alimentos). E a política monetária não funciona em tais casos.

A MB Associados, consultoria encabeçada pelo economista José Roberto Mendonça de Barros, não acha que o BC tenha de subir a Selic. Mas, relata o seu economista-chefe, Sérgio Vale, provavelmente o Copom fará três altas de 0,50 ponto. "A questão do juro tem sempre dois lados: o que o BC vai fazer e o que acreditamos que ele deveria fazer", diz Vale. Após as três altas consecutivas, a começar na reunião de quarta-feira, o BC chegará no final de julho com 12,75% de Selic e aí poderá decidir se pára ou continua. "Acreditamos que há condições que ajudariam o BC a manter a Selic onde está por enquanto", argumenta. O quadro atual é bem diferente daquele que, em 2004, forçou um aperto monetário. Da mesma forma que naquela época, o BC não pode deixar de considerar o que pode acontecer com a alimentação e com o câmbio. Por conta das incertezas nessas duas variáveis é que poderia haver maior justificativa para ele aumentar os juros. "Nenhuma delas, nesse momento, mostra-se um risco no curto prazo. Ao se pegar exageradamente na questão da demanda, o BC está deixando de olhar outros elementos que são até mais importantes para um BC que tem como meta o índice cheio e não o núcleo", diz Vale

Se o BC não tivesse se comprometido tão visceralmente com a alta, talvez pudesse ter calma para ver que não é a demanda o algoz de 2008. O elemento importante é o item alimentação, que, segundo a MB, foi deixado de lado no Relatório de Inflação. E o BC olha a meta pelo índice cheio e não pelo núcleo. "Alimentação foi responsável por metade do IPCA no ano passado, então é evidente que o BC tem que considerar sim a alimentação com muito cuidado e sobre isso pouco ouvimos no Relatório ou em outros documentos. O BC faz política monetária para o núcleo, mas mantém a meta pelo índice cheio. Isso ele nos diz pela força que dá nos documentos para a demanda, esquecendo que alimentação não tem nada a ver com demanda doméstica, mas sim com os choques mundiais de oferta e com a demanda mundial de produtos agrícolas, além da questão do etanol de milho versus soja nos EUA", observa Vale.

O BC estará usando um instrumento de ataque ao corpo inteiro da economia quando a febre pode estar sendo produzida por vírus especulativos localizados e conhecidos, que tomam de assalto os mercados mundiais de commodities, e por circunstâncias climáticas da China. Não se sabe bem por que o BC não tem a humildade de reconhecer que o sistema de metas de inflação precisa ser alterado de forma a mirar não o IPCA cheio mas um núcleo expurgado de alimentação e energia. Metade de suas agruras se dissiparia. A mira é seletiva para os maiores bancos centrais do mundo, inclusive para o Fed, e nos EUA nem há meta formal.