Título: Jobim busca apoio para Conselho Sul-Americano de Defesa
Autor: Rittner , Daniel
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2008, Brasil, p. A6

O ministro da Defesa, Nelson Jobim, começa hoje um périplo pelos países vizinhos para arregimentar apoio à criação do Conselho Sul-Americano de Defesa. Ele tem um encontro reservado, no Palácio de Miraflores, sede do governo da Venezuela, com o presidente Hugo Chávez. Em duas semanas, o ministro fará nova viagem para apresentar a idéia no Peru, na Colômbia e no Equador.

Jobim afirmou que um dos desafios nas conversas será convencer os vizinhos da América do Sul de que não há, por trás da criação do conselho, nenhuma pretensão do Brasil em exercer hegemonia na região. "Inicialmente pode haver esse receio", admitiu o ministro, convicto, porém, de que esse temor desaparecerá quando houver uma "compreensão exata" dos propósitos do conselho.

Poucas semanas após a tensão entre Equador e Colômbia, que quase levou os dois países a um conflito armado, uma das preocupações de Jobim é deixar claro que o Conselho Sul-Americano de Defesa não será uma força operacional, mas um órgão consultivo. Ele garantiu também que sua proposta "não tem relação" com os desejos da diplomacia brasileira de ter um assento permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas (ONU).

"Não estamos trabalhando na perspectiva de uma aliança militar no sentido clássico", afirmou o ministro, ao rejeitar o rótulo de "Otan do Sul", em referência à Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). Ironicamente, esse mesmo termo foi usado por Chávez para designar sua proposta de união militar na região.

De acordo com a proposta de Jobim, o conselho teria como funções a elaboração conjunta de políticas de defesa, o reforço do intercâmbio de pessoal entre as Forças Armadas de cada país, a realização de exercícios militares conjuntos, a participação em operações de paz da ONU, a troca de análises sobre os cenários mundiais de defesa e a integração de bases industriais de material bélico.

O ministro pretende percorrer todos os países da região nos próximos meses, na tentativa de organizar uma "cúpula de defesa" até o fim de 2008, que daria o arcabouço institucional do conselho. "O Brasil quer contribuir com a formação de uma identidade sul-americana de defesa", afirmou. A viagem desta semana se estenderia também por Suriname e Guiana, mas essas visitas foram adiadas na última hora por causa da reunião que Jobim terá quarta-feira, no Palácio do Planalto, com o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, e com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. No encontro, serão definidos o percentual e a fórmula de reajuste dos militares - pode haver um aumento escalonado.

"A proposta do conselho é uma cartada importante e envolve riscos, mas o ponto a ressaltar é a falta de definições", observou o professor Eliezer Rizzo, pesquisador do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Unicamp e especialista em assuntos militares, chamando atenção para a ausência de detalhes sobre a idéia. "Mais inferimos do que temos informações. O ministro parece ter um projeto do qual só mostra algumas cartas, e para nós fica apenas o pré-projeto", disse Rizzo, com dúvidas sobre a representação do conselho - será composto por ministros da Defesa ou das Relações Exteriores? - e se ficará vinculado a alguma instituição, como a Comunidade Sul-Americana de Nações, a exemplo do Conselho de Segurança, da ONU.

Para o pesquisador, o conselho se associa a uma visão de liderança brasileira na região, já proclamada por Lula por meio de ações de "generosidade", como o presidente costuma falar. Rizzo disse que "é grande o risco de (a proposta) dar errado" e prevê desconforto entre países vizinhos.

Outra possível dificuldade é unir militarmente países que ainda têm pendências, como a divergência entre Venezuela e Guiana em relação a suas fronteiras terrestres. A Bolívia continua a reivindicar uma saída para o mar e há disputas sobre os limites marítimos do Peru com o Chile, além de uma solução mal digerida no canal de Beagle (Argentina-Chile). "A experiência histórica nos mostra que questões de fronteira são resolvidas bilateralmente, às vezes com a ajuda de um mediador", avaliou.