Título: Bird e FMI buscam soluções para falta de comida
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Fonte: Valor Econômico, 14/04/2008, Internacional, p. A11

Os ministros econômicos que se reuniram em Washington no fim de semana para tratar da primeira crise financeira do século XXI também tiveram de lidar com outra crise, de um tipo que atinge o mundo desde antes do tempo dos faraós: escassez de alimentos.

A alta das commodities fez com que os preços mundiais dos alimentos subissem 83% nos últimos três anos, segundo o Banco Mundial, pondo enorme pressão sobre algumas das nações mais pobres. Enquanto os ministros se reuniam, o primeiro-ministro do Haiti, Jacques-Édouard Alexis, renunciava no sábado, depois que a capital, Porto Príncipe, havia sido sacudida por violentos protestos por causa da alta dos alimentos. A violência no Haiti ocorreu depois de protestos por causa do preço dos alimentos no Egito, em Burkina Faso, na Tailândia e em outros países.

Muitas autoridades presentes à reunião do Banco Mundial (Bird) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) concordaram que o problema é sério e que a política dos EUA de promoção do etanol à base de milho e outros combustíveis o está agravando. "Quando milhões de pessoas passam fome, é um crime contra a humanidade que alimentos sejam desviados para biocombustíveis", disse o ministro da Fazenda da Índia, Palaniappan Chidambaram, ao "Wall Street Journal". O ministro da Fazenda turco, Mehmet Simsek, disse que o uso de produtos agrícolas para biocombustíveis era "repugnante".

Mas, além das críticas aos EUA, houve pouco acordo sobre o que deveria ser feito. O presidente do Bird, Robert Zoellick, pressionou os ministros a se concentrarem na questão dos alimentos numa coletiva na quinta-feira, na qual segurou um saco de arroz de 2 kg que, disse, custaria agora metade da renda de uma família pobre em Bangladesh. E manteve a pressão nas conversas do fim de semana.

Mas ele não foi capaz de obter muita coisa concreta. Ele solicitou recentemente que os países ricos contribuíssem com mais US$ 500 milhões ao Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas. Mas informou que a ONU recebeu ofertas de apenas metade dessa verba.

O conselho de governadores do FMI (basicamente, os ministros econômicos do mundo, que dirigem tanto o FMI como o Bird) pediram que o Fundo trabalhe com o Bird numa "resposta integrada por meio de assessoria e apoio financeiro". Ontem, o comitê que supervisiona o Bird notou que "grandes grupos de pessoas pobres são severamente afetados por preços altos de alimentos e energia no mundo em desenvolvimento", ecoando o pedido do comitê do FMI por apoio a países vulneráveis e conclamando as nações ricas a serem mais generosas no "apoio imediato a países mais afetados pelos altos preços dos alimentos".

O Banco Mundial planeja gastar mais US$ 10 milhões para programas de alimentação, e outros doadores estão analisando o aumento de suas verbas. O Banco, o FMI e os maiores países industrializados também pressionam para que a Rodada Doha de negociações comerciais mundiais seja completada, ainda que o corte de subsídios a alimentos nos EUA e na Europa deva aumentar os preços dos alimentos para países importadores.

Na semana passada, o premiê britânico, Gordon Brown, conclamou o Grupo dos Sete (G-7, que reúne os principais países industrializados: EUA, Reino Unido, Canadá, França, Alemanha, Itália e Japão) a desenvolver "uma estraté-gia internacional para tratar de todos os elementos da crise", incluindo comércio exterior, produtividade agrícola, tecnologia, biocombustíveis e auxílio de curto prazo para países pobres. No passado, o Reino Unido havia liderado a campanha para que o G-7 perdoasse dívidas das nações mais pobres.

Para agravar o problema, em alguns países a inflação de alimentos motivou uma onda de protecionismo comercial. Normalmente, os países impõem barreiras comerciais às importações, para proteger as indústrias locais e também tentar elevar as exportações. Mas recentemente mais de 20 países reduziram as tarifas à importação de alimentos e ergueram barreiras à exportação, na esperança de conter os preços internos e caminhar rumo à "auto-suficiência". A Índia, por exemplo, está restringindo as exportações de cereais.

O efeito mundial dessas barreiras, contudo, tende a ser o de elevar ainda mais os preços internacionais dos alimentos. Essas políticas "distorcem os preços mundiais", disse Simsek, o ministro turco, ao "Wall Street Journal". Em vez de erguer barreiras, afirmou, a Turquia planeja acelerar a construção de canais de irrigação perto de represas em Anatólia (sudeste do país).

Com as instituições financeiras internacionais trabalhando com lentidão, os países vêm fechando seus próprios acordos. O Brasil convidou recentemente o ministro de Comércio do Egito para discutir um possível acordo comercial que teria um forte componente agrícola. A China também fechou seu primeiro pacto de livre comércio com um país rico, escolhendo a Nova Zelândia, um grande exportador de alimentos, e está discutindo um acordo com a Austrália, outra força agrícola.

Dezoito dos países verificados pelo Bird também estão elevando os subsídios aos consumidores e instituindo controles de preço. Zoellick disse que os países deveriam, em vez disso, avaliar subsídios mais bem dirigidos, como fornecer alimentos em troca de trabalho ou aumentar os programas de alimentação escolar para famílias pobres, de modo que as crianças possam levar comida para casa.

Em conversas informais e entrevistas, os ministros de modo geral concordaram que a política dos EUA para biocombustíveis é particularmente prejudicial. O etanol americano é feito de milho, que, dizem eles, poderia ser exportado para alimentar pessoas com fome e que se beneficia de tarifas que bloqueiam o etanol brasileiro, produzido com muito mais eficiência a partir da cana-de-açúcar.

O Bird também culpou o boom dos biocombustíveis pela alta dos preços mundiais de alimentos. Isso deixou Zoellick numa situação delicada. Antes de assumir seu cargo no Banco Mundial, ele foi representante comercial dos EUA e defendeu as posições do país na agricultura. Em sua entrevista coletiva na quinta-feira, ele foi ligeiramente crítico aos EUA. Elogiou o álcool de cana e questionou se as tarifas que restringem as exportações brasileiras aos EUA fazem "sentido econômico". (Colaborou John W. Miller, de Bruxelas)