Título: Vitória ínfima satisfaz emergentes no FMI
Autor: Balthazar , Ricardo
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2008, Especial, p. A16

A pressão de países em desenvolvimento como o Brasil por reformas na estrutura do Fundo Monetário Internacional (FMI) se dissipou nas últimas semanas, embora a aprovação de um pacote de medidas desenhadas para ampliar sua influência na organização tenha produzido ganhos quase imperceptíveis para a maioria dos países emergentes.

As mudanças transferem dos países mais ricos para os países em desenvolvimento uma pequena fatia de 2,7% do poder de voto na instituição e foram aprovadas no fim de março pelos diretores que representam os 185 membros do FMI na cúpula da organização. O pacote agora precisa ser aprovado individualmente pelos governos, que têm até o fim de abril para se manifestar.

O poder de voto do Brasil passa de 1,4% para 1,7% com as mudanças e o governo brasileiro não se cansa de expressar sua satisfação com o resultado. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, que no fim de março classificou o pacote como uma "vitória" dos países emergentes, disse na sexta-feira que ele é "um avanço considerável" pelo qual todos deveriam se "congratular".

No passado, o governo brasileiro cobrou reformas muito mais profundas do que as aprovadas agora. Seis meses atrás, Mantega disse numa reunião do Fundo que mudanças "modestas" e "cosméticas" colocariam em xeque a legitimidade do FMI e levariam países como o Brasil a procurar "seu próprio caminho", distanciando-se da instituição.

Um exame cuidadoso das medidas aprovadas pela diretoria do Fundo em março indica que a nova fórmula criada para dividir o poder na organização é tão problemática quanto o sistema atual e revela que o aumento no poder de voto dos países emergentes só foi possível por causa de uma série de artifícios usados para corrigir as distorções geradas pela aplicação da fórmula.

"Os membros do FMI perderam uma excelente oportunidade de reformar a instituição e restaurar sua credibilidade", disse ao Valor o economista Ralph Bryant, que trabalha como pesquisador de um influente centro de estudos de Washington, a Instituição Brookings, e participou como consultor de discussões internas sobre a reforma.

A nova fórmula aprovada pela diretoria do Fundo incorporou várias inovações técnicas com o objetivo de refletir melhor o peso crescente das economias emergentes. Mesmo assim, um estudo publicado por Bryant mostra que países ricos ampliariam seu poder no FMI se a nova fórmula fosse aplicada sem os artifícios empregados para garantir sua aprovação.

Segundo Bryant, se a nova fórmula fosse aplicada pura e simplesmente, o resultado seria um aumento de 4,3 pontos porcentuais no poder de voto dos países mais avançados, que já controlam pouco mais de 60% dos votos. O bloco dos países emergentes perderia espaço, exatamente o contrário do que os defensores da reforma esperavam alcançar.

Para evitar esse resultado indesejável sem precisar reabrir a discussão da fórmula, a diretoria do FMI adotou vários mecanismos de ajuste em caráter excepcional. Esses dispositivos incluíram um fator "compressor" para reduzir os ganhos obtidos pelas maiores economias com a fórmula e um fator "propulsor", conforme o jargão do Fundo, que turbinou as cotas do Brasil e de outros seis países em desenvolvimento: China, Coréia do Sul, Índia, México e Turquia.

Esses mecanismos tornaram politicamente viável a aprovação das mudanças, mas não foram incorporados à nova fórmula em caráter permanente. Ficou acertado que as cotas voltarão a ser revistas daqui a cinco anos, mas nada garante que da próxima vez os artifícios que tornaram a fórmula benéfica para países emergentes serão usados novamente.

"A nova fórmula aponta para a direção oposta à que foi estabelecida no início da discussão da reforma, mas essa característica foi mascarada pelos ajustes feitos após sua aplicação desta vez", disse Bryant. "Para os países que concordaram com ela agora, será muito difícil reabrir essa discussão na próxima vez."

O acordo que garantiu a aprovação da nova fórmula apesar das suas imperfeições foi uma demonstração de grande habilidade política do novo diretor-gerente do FMI, o francês Dominique Strauss-Kahn, que assumiu o posto há apenas seis meses prometendo transformar a instituição num ator mais relevante no cenário internacional.

A maioria dos países emergentes aceitou o pacote por considerá-lo melhor do que nada, e por entender que não tinham força para dobrar a forte resistência dos países europeus a mudanças mais significativas. Apenas Arábia Saudita, Argentina, Egito, Irã e Rússia manifestaram com alguma ênfase sua insatisfação, votando contra as reformas ou se abstendo. Esses países perdem poder de voto mesmo com os ajustes promovidos para corrigir a nova fórmula.