Título: O que as empresas querem do executivo da nova era digital
Autor: Lippi , Roberta
Fonte: Valor Econômico, 14/04/2008, EU & Investimento, p. D6

Quiroga, atual diretor de marketing e tecnologia da Cyrela, trouxe a experiência com o "start up" da Americanas.com A era digital imprimiu uma mudança jamais observada no mundo do marketing e da comunicação. Informações circulando em alta velocidade, novas mídias, consumidores mais exigentes, fragmentação dos mercados, maior exigência pela mensuração de resultados e a preocupação com o valor das marcas são apenas alguns dos fatores que mostram essa revolução à qual os profissionais estão tendo de se adequar.

São novidades, conceitos e ferramentas que ainda nem existem nos livros, mas que já se lançam como uma forte pressão sobre os executivos de marketing das empresas. Clientes hoje se unem em blogs, sites e até mesmo em comunidades de relacionamento para reclamar de uma empresa. Ferramentas de busca como o Google e Yahoo despejam informações em frações de segundos. São mecanismos que se alastram de forma viral e fogem ao controle das empresas, exigindo respostas imediatas e ações internas integradas entre diferentes departamentos.

"O consumidor está muito mais rápido do que as organizações", diz em entrevista ao Valor o consultor americano Don Edward Schultz, professor da Northwestern University. Autor de 18 livros, entre eles "O Novo Paradigma do Marketing", Schultz foi um dos primeiros a citar o conceito de comunicação integrada e a sinalizar que, com as novas tecnologias, o poder estava migrando das empresas para os consumidores. Ele esteve em São Paulo na semana passada como palestrante do "1º Encontro Agenda do Futuro- Os desafios da comunicação e do marketing na Nova Economia", promovido pelo Grupo TV1.

Quem tem mais dificuldade de acompanhar essa velocidade, diz Schultz, são os profissionais que já passaram dos 40 anos. "Os jovens já nasceram assim, nesse mundo com tanta informação e novidade, e entendem as mudanças com facilidade. Aqueles de gerações mais antigas, apesar de mais experientes, muitas vezes têm mais dificuldade para lidar com o novo".

Por mais cruel que possa parecer sua afirmação, Schultz insiste que este é um fato com o qual lida diariamente na universidade. "Demoramos mais tempo retreinando os professores do que ensinando os estudantes." Até mesmo os MBAs, diz Don Schultz, considerados os cursos mais avançados da administração, estão defasados nesse quesito. "As escolas ainda estão mais focadas em produtos do que em serviços", reforça. "E, levando isso para as empresas, quando o consumidor sabe mais do que a pessoa de vendas que está em contato com ele, temos um problema."

Mas, afinal, qual é o perfil do executivo de marketing moderno? O consultor Jaime Troiano, diretor da Troiano Consultoria de Marca, acredita que há três pontos fundamentais que devem estar no DNA desse novo profissional: além da formação mercadológica, tem que entender também de negócios, com conhecimento de estratégia, finanças, tecnologia, desenvolvimento de produtos, comunicação; deve ter grande abertura à mudança, enxergando-a como desafio e não como uma ameaça ao seu cargo; e tem que ter profunda curiosidade para entender cada vez mais o seu cliente, buscando ferramentas que ajudem a trazer o dinheiro do bolso do consumidor para o caixa da empresa entendendo o que o cliente sente.

O diretor de marketing e tecnologia da Cyrela, Germán Quiroga, levou para o setor de construção civil a experiência que teve ao participar do "start up" da Americanas.com, onde foi o principal executivo de marketing e tecnologia. E o resultado tem sido muito interessante no que diz respeito à inclusão das novas mídias e tecnologias em um meio bastante tradicional: a empresa, que atua como incorporadora, construtora e imobiliária e tem hoje 30% de suas vendas realizadas pela internet, o que já representa em torno de 20% do faturamento da companhia. "O cliente que usa essa mídia quer ser atendido rapidamente, eficientemente e com segurança. Mas também sabemos que no fundo ele tem as mesmas expectativas dos outros: ser bem atendido."

Afinal, criar um novo canal de comunicação com o cliente não significa apenas lançar um bom site na internet, e eis aí mais uma barreira a ser rompida pelos profissionais de marketing. Existe uma grande mudança cultural por trás de tudo isso. É preciso, por exemplo, haver capacitação intensiva da equipe de atendimento. "Damos treinamento aos consultores até mesmo de língua portuguesa, para que eles escrevam corretamente as mensagens eletrônicas, e também na parte jurídica, porque a responsabilidade sobre aquilo que é escrito é muito grande", conta Quiroga.

Quanto à sua própria carreira, o executivo concorda com os especialistas de que é fundamental ter visão global do negócio. "O volume de novas formas de comunicação é enorme. Você precisa saber escolher aqueles que geram mais valor para a empresa e que componham o seu mix de ofertas", diz ele, graduado em engenharia eletrônica e mestre em mídias digitais pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).

A preocupação faz sentido: consultorias internacionais como Interactive Advertising Bureau, McKinsey e Booz Allen Hamilton comprovam que, quando o departamento de marketing atua com sinergia com outras áreas ele alcança um nível estratégico, os resultados traduzidos em receitas e lucros são maiores.

Para o professor e consultor José Carlos Teixeira Moreira, da Escola de Marketing Industrial (EMI), o que mudou e muitos não perceberam é a exigência e o direito do consumidor pela relação verdadeira com a empresa. Independentemente do canal, se é tradicional como a televisão ou moderno como o celular ou a internet, o que o cliente quer é ser acolhido -e não apenas atendido. "Na carreira do marketing, além de dominar o que há de ponta na tecnologia, o profissional tem que dominar o que há de eterno na relação com o outro: o acolhimento. Quem vai se destacar são aqueles que estão prontos para ouvir", diz ele.

Teixeira Moreira, que fundou a EMI com objetivo de trazer mais valor à relação empresa/cliente, o desafio da carreira é orquestrar o equilíbrio entre a tecnologia e o moderno a serviço da construção de relações duradouras. Uma das principais funções do profissional de marketing, completa ele, é conseguir ter o presidente da empresa ´trabalhando´ para ele. "A questão mercadológica é um processo de compromisso e crença", diz. Entre os exemplos de vanguarda nesse sentido, Moreira destaca empresas como Sadia, grupo Algar, Método Engenharia e Magazine Luiza.

Nas universidades, a dificuldade consiste em ensinar aos alunos temas que mudam com tamanha velocidade especialmente em função da internet e novas tecnologias disponíveis para uma empresa se comunicar com os clientes, como os blogs, celulares e sites de relacionamento. "A disciplina de marketing está se tornando mais voltada para o processo do que para o conceito. Muito do que estamos discutindo não está nos livros, e até mesmo os 'cases' publicados já estão antigos. Hoje focamos as aulas em casos do dia-a-dia, fazendo uma mistura organizada entre as experiências dos alunos e professores", explica Thimothy Altaffer, professor do Certificate in Marketing Management (CMM), pós-graduação em gestão de marketing do Ibmec São Paulo.

A prestação de contas sobre os investimentos realizados em merketing também é outro fator que pesa entre as funções do executivo da área atualmente. "O marketing tradicional era mais intuitivo ao tentar entender o consumidor. Hoje em dia existem muitas ferramentas e maneiras tangíveis de se medir os resultados dos investimentos. E os profissionais são cobrados por isso", diz o professor.

Sob o ponto de vista das contratações e mercado de trabalho, o headhunter Dárcio Crespi, sócio diretor da Heidrick & Strugles, diz que importa menos o número de canais e ferramentas que o executivo conhece e mais a linguagem que ele utiliza e se ele é capaz de dar as respostas na velocidade necessária. Já em relação à idade do profissional, Crespi explica que depende muito do público com o qual a empresa contratante se relaciona. "Se o produto é voltado para o público jovem, o perfil do profissional que vamos buscar provavelmente será o mais próximo possível do consumidor."

O segredo, segundo o diretor-geral do grupo atacadista Martins, César Suaki , é obter coerência e alinhamento. "Não podemos esquecer que, junto da nova economia, continua a velha economia. Nós usamos a tecnologia da informação para conciliar o concreto e o virtual."