Título: Geopolítica do urânio :: Sergio Ferolla e Paulo Metri
Autor: Ferolla, Sergio ; Metri , Paulo
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2008, Opinião, p. A9

As fontes geradoras de energia elétrica mais representativas são o carvão mineral, o gás natural, a energia hidráulica, a nuclear e os derivados de petróleo. Com o barril de petróleo a mais de US$ 100, implicando em maiores preços para os derivados e o gás natural, somado ao fato da ameaça do efeito estufa em decorrência da queima de combustíveis fósseis, tais fontes não podem participar, substancialmente, da necessária expansão da oferta de energia elétrica.

Considerando-se, também, que alguns aproveitamentos hidráulicos causam fortes impactos ambientais, que restringem essa opção, e novas fontes alternativas ainda não foram suficientemente desenvolvidas, fornecendo eletricidade a preço elevado, a demanda mundial futura encontra na energia nuclear uma opção limpa e competitiva para sua satisfação. Isso acarreta a retomada da construção de usinas nos programas nucleares de todo o mundo e, em decorrência, um crescimento considerável do consumo de urânio, em futuro próximo, com o conseqüente aumento da sua cotação no mercado, que na atualidade já é bastante convidativa para investimentos no setor.

O Brasil, com somente 30% do seu território pesquisado, através da estatal Indústrias Nucleares do Brasil (INB), possui 309 mil toneladas de urânio, a sexta reserva mundial. O país domina a tecnologia do enriquecimento, em escala industrial, que agrega enorme valor ao produto e, também, através da INB, fabrica os elementos combustíveis, produto final com maior valor agregado. Tal capacitação tecnológica e industrial, no estratégico setor nuclear, precisa ser levada em consideração pelo Executivo e pelo Congresso, nesse momento em que mineradoras, inclusive estrangeiras, demonstram a intenção de produzir urânio para exportá-lo como simples minério, em detrimento dos interesses do país e de toda a sociedade.

Espera-se das autoridades uma postura de estadistas, impedindo o lucro fácil e malévolo de tais mineradoras e o abastecimento de unidades de enriquecimento no exterior, para manter programas nucleares de países que não têm urânio, como França, Inglaterra, Japão, Alemanha, China e Índia. O lobby em ação é poderoso, já tendo sido apresentada, em 2007, uma proposta de emenda à Constituição, pois, para poderem atuar nesse setor é necessário que o monopólio estatal do urânio seja extinto.

O quadro descrito, que associa crescente demanda de eletricidade a um cenário de deterioração do meio ambiente e forte disputa econômica entre nações, desencadeará, como vem ocorrendo com o petróleo, uma geopolítica do urânio, com acordos entre países, para os compradores terem garantia de suprimento e os fornecedores, vantagens asseguradas. Assim, impõe-se preservar nossas reservas de urânio como monopólio "inflexível" do Estado, bem como expandir as conquistas da engenharia nacional no domínio do combustível nuclear nas empresas e laboratórios, detentores de tão valioso conhecimento.