Título: Tesouro perde com alta dos juros
Autor: Ribeiro , Alex
Fonte: Valor Econômico, 15/04/2008, Finanças, p. C1

O Tesouro Nacional vai perder cerca de R$ 10 bilhões nos próximos dois anos caso o Banco Central leve adiante um aperto monetário na duração e magnitude esperados pelo mercado financeiro. Mas, ao contrário do que costumava acontecer, os bancos desta vez não têm nada a ganhar com uma taxa básica mais alta. Hoje, eles estão aplicados em juros prefixados e apostam as suas fichas na expansão do crédito.

O Tesouro sai perdendo porque um bom pedaço de sua dívida é vinculada à taxa Selic - justamente aquela que, nas contas dos analistas do mercado financeiro, será elevada pelo BC dos atuais 11,25% ao ano para 12,75% ao ano até o fim do ano.

A dívida líquida do setor público somava R$ 1,157 trilhão em fevereiro, dos quais 52,4% são indexados à Selic. Os encargos dessa dívida serão tanto maiores quando maior for a taxa Selic média. Nas últimas quatro semanas, depois da sinalização feita pelo BC de que irá elevar os juros, a Selic média projetada pelo mercado para 2008 subiu de 11,25% ao ano para 12,09% ao ano. Caso se confirme essa alta na Selic, o gasto com encargos da dívida em 2008 será R$ 5,1 bilhão maior. Para 2009, os analistas do mercado subiram sua projeção para a Selic média de 10,69% ao ano para 11,52% ao ano, o que tende a ampliar os encargos com juros em R$ 5 bilhões.

Para ter uma idéia das magnitudes envolvidas, o custo anual do aperto monetário equivale à metade da despesa com o Bolsa Família, que tem um orçamento de R$ 10,37 bilhões para atender a 11 milhões de famílias em 2008. Representa ainda 34% dos R$ 14,6 bilhões que o governo planeja investir neste ano com recursos fiscais no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). É também uma pressão adicional nos já alentados gastos com juros da dívida, que somaram R$ 163,172 bilhões nos 12 meses terminados em fevereiro.

Ao contrário do que acontecia no passado recente, o Tesouro já não é o único que perde com altas no juro básico. Hoje, uma parte representativa da dívida pública é em títulos prefixados, nos quais o Tesouro paga juros fixos independentemente do que o BC faz com a Selic. Em fevereiro, os títulos prefixados representavam 39,2% da dívida, bem acima dos 1,5% de dezembro de 2002.

Na parcela da dívida prefixada, quem perde são os detentores dos títulos - na maioria, bancos e cotistas de fundos de investimentos. Essa perda já vem sendo sentida nos últimos meses, quando os juros futuros passaram a embutir a possibilidade de alta na taxa básica de juros.

Os bancos, em especial, estão entre os grandes perdedores com a expectativa de alta de juros. Hoje, eles detém 29,97% dos títulos prefixados colocados pelo Tesouro em mercado. Os bancos perdem também em outras operações prefixadas fechadas com agentes privados - a principal delas são os empréstimos concedidos a empresas e pessoas físicas. O relatório de estabilidade financeira do BC mostra que, em junho de 2007, quando os juros futuros começaram a subir, os bancos estavam aplicados em ativos prefixados. As informações do BC são de que, hoje, ainda estão liquidamente aplicados em ativos com juros prefixados.

Um eventual aperto monetário prejudicará os bancos também se desacelerar a expansão de crédito - em geral, os bancos hoje ganham mais com empréstimos do que com operações com títulos. Também haverá prejuízos se o aperto monetário deteriorar as condições macroeconômicas e levar a um aumento da inadimplência. "Se a alta de juros for de até dois pontos percentuais, não deverá ter impacto sobre a expansão do crédito nem sobre a inadimplência", afirma Erivelto Rodrigues, presidente da Austin Rating.

As pessoas e empresas que investem em fundos de investimentos, em tese, podem ter algum ganho líquido coma alta de taxa de juros. Hoje, 54% dos papéis indexados pela taxa Selic estão no patrimônio dos fundos. Os fundos detêm 43,6% dos papéis prefixados e já perderam com a elevação dos juros futuros.

Na visão do BC, os custos fiscais da política monetária devem ser comparados com os benefícios gerados pelo controle da inflação. Um deles é que, ao longo do tempo, o risco inflacionário menor leva a taxas básicas de juros menores. Inflação fora do controle tem o efeito na direção inversa. A elevação dos riscos inflacionários, por exemplo, fez com que o mercado embutisse um prêmio maior nos papéis do Tesouro. Em abril de 2007, as NTN-Fs, um papel prefixado com vencimento em 2012, embutia uma inflação de 3,6%, na comparação com as NTN-Bs, um papel indexado pelo IPCA. Hoje, a inflação implicita no mesmo papel está em 4,96%, acima da meta de inflação, de 4,5%.

Outro ganho - não fiscal - do controle da inflação é a preservação da renda, sobretudo dos mais pobres. Há pouco mais de um ano, a inflação esperada no INPC nos 12 meses encerrados em fevereiro era de 3,82%, e o índice efetivamente apurado ficou em 5,5%. Essa surpresa inflacionária de 1,7 pp. representa uma perda anual de renda de R$ 170 milhões para os beneficiários do programa Bolsa Família.