Título: Varejo recua sobre janeiro e sobe sobre 2008
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Fonte: Valor Econômico, 16/04/2008, Brasil, p. A4

O resultado das vendas do varejo em fevereiro provocou diferentes interpretações entre os analistas. Para alguns, o forte crescimento de 16,7% no valor e de 12,2% no volume em relação a fevereiro do ano passado reforça as avaliações de que o consumo acelerou neste início de ano. Para outros, a retração em relação a janeiro na série com ajuste sazonal é um primeiro sinal de desaceleração e reflete o impacto da inflação sobre a renda dos consumidores.

De acordo com pesquisa divulgada ontem pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as vendas do varejo registraram queda de 1,5% em volume e de 1,4% em receita nominal no mês, em comparação com janeiro (descontada a diferença sazonal). A retração foi provocada pelo recuo nas vendas de hipermercados (3,9%), vestuário e calçados (4%) e artigos farmacêuticos (2,8%), na mesma comparação. As vendas de automóveis, materiais de construção e bens de informática registraram aceleração nas vendas e o setor de móveis e eletrodomésticos aumentaram 1,8%, ritmo inferior à alta registrada em janeiro na comparação com dezembro, sempre na série com ajuste sazonal.

Júlio Gomes de Almeida, consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), observou que os setores que tiveram queda têm maior peso no indicador e forçaram a desaceleração, mas outro conjunto cresceu liderado por veículos e materiais de construção, áreas cuja demanda aquecida preocupa o Banco Central. "A minha avaliação é que a inflação maior em alimentos, têxteis e fármacos está tirando o poder de consumo da população, então os setores que dependem mais da massa de rendimento sofrem. Já setores que dependem mais de crédito vão demorar mais para desacelerar", afirmou Almeida.

Para o economista, a alta recente nos preços de alimentos ajuda a explicar a expansão da receita de vendas dos hiper e supermercados mais forte que o incremento em volume. Em 12 meses, o segmento registra variação de 14,8% em receita e de 7% em volume de vendas. No mesmo período, a inflação de alimentos medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 12,9%, para uma inflação geral de 4,6%.

Der acordo com o IBGE, as vendas totais cresceram nos setores de tecidos, vestuário e calçados, artigos farmacêuticos, produtos de uso pessoal e material de construção. O indicador acumula, no intervalo de 12 meses, alta de 13,1% em receita e de 10,2% em volume. Em fevereiro contra igual mês de 2007, o índice aponta alta de 16,7% em receita, acima dos 16,5% verificados em janeiro, e de 12,2% em volume, ante 11,8% em janeiro.

"Os setores que já estavam notadamente aquecidos continuam com crescimento acelerado, que são os setores de construção e veículos", avaliou Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Ele observa que a demanda doméstica (formada por consumo das famílias, gastos do governo e investimentos) aponta crescimento de 7,6% nos 12 meses encerrados em março, acima dos 7,1% apurados no ano fechado de 2007. "A formação bruta de capital está com crescimento de 10%, abaixo do ano passado e a exportação líquida registra queda de 2%. A demanda das famílias é que está muito forte", afirmou Vale. Para o economista, o resultado corrobora a tese do Banco Central de que o crescimento do varejo está mais forte e exigirá elevação da taxa de juros para controle da demanda doméstica.

Everton Santos, economista da LCA Consultores estima um crescimento do consumo das famílias menor, de 6,4% no primeiro trimestre, contra 8,6% no quarto trimestre de 2007. Na comparação de trimestres móveis, o varejo cresceu em volume de vendas 9,6% até fevereiro, contra 12,7% até janeiro e 10% no quarto trimestre encerrado em dezembro, o que também indicaria uma reversão na curva. "O primeiro trimestre tende a ser mais fraco que o fim do ano passado", afirmou Santos. Ele estima para o ano uma expansão do varejo entre 8% e 8,5%.

Para Thaís Marzola Zara, economista da Rosenberg & Associados, a desaceleração do varejo ocorrerá com a elevação da taxa de juros pelo Banco Central. "Por enquanto ainda não há sinais claros de desaquecimento da demanda", disse. Ela observou ainda que o crescimento em receita superior ao volume de vendas nos últimos 12 meses sofreu impacto negativo do câmbio, que se valorizou 20,7% no período. "Nos próximos meses o mercado não terá a mesma ajuda e a demanda aquecida pode comprometer as metas de inflação."

O câmbio foi um dos fatores que contribuíram para segurar preços e elevar as vendas do setor de informática, que cresceu 31,4% em volume e 11,7% em receita em 12 meses, observou Cesar Fukushima, economista-chefe da Gouvêa de Souza & MD. O crescimento da renda real de salários, segundo ele, também permitiu o crescimento de vendas acima da média de produtos supérfluos, como jóias, brinquedos e artigos domésticos (27,5% em fevereiro contra igual mês de 2007) e livros, jornais, revistas e papelaria (17,9%).