Título: Apesar da relação com a Itália, América Latina não interessa a Berlusconi
Autor: Saccomandi , Humberto
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2008, Internacional, p. A11
O premiê eleito da Itália, o conservador Silvio Berlusconi, gosta de estar com os ricos e poderosos. Ele nunca escondeu essa preferência. Talvez por isso a América Latina nunca esteve entre as suas prioridades, apesar da relação histórica da Itália com a região, especialmente com Brasil e Argentina, que junto com os EUA foram os países que mais receberam imigrantes italianos fora da Europa. E não há sinais de que isso vá mudar.
Berlusconi foi duas vezes primeiro-ministro (de 1994 a 95 e de 2001 a 2006). Em seus quase seis anos de governo, nunca encontrou espaço na agenda para visitar a região. Nem à Cúpula União Européia-América Latina, no México, em 2004, ele compareceu.
Nesses anos de governo, porém, Berlusconi esteve nove vezes nos EUA, segundo dados do Departamento de Estado americano.
Esse abandono da América Latina foi observado pelo premiê demissionário, Romano Prodi, quando esteve no Brasil, no início do ano passado. Prodi, em seu primeiro governo, criou em 1997 um conselho Itália-Brasil, que nunca foi convocado por Berlusconi.
Em 2004, durante reunião de cúpula do G-8, Berlusconi defendeu a instituição de um diálogo permanente do grupo com a China e a Índia, e não citou o Brasil, o que irritou a diplomacia brasileira. A partir da cúpula seguinte, em 2005, o Brasil passou a ser convidado às reuniões do G-8, juntamente com China, Índia e outros emergentes. Será a Itália, sob comando de Berlusconi, que sediará a reunião do G-8 em 2009.
Essa situação foi acompanhada por uma redução dos investimentos de empresas italianas no Brasil, onde a Itália foi superada, como investidor estrangeiro, por vários países menores e com menos tradição, como a Suíça.
A aversão de Berlusconi à América Latina foi, possivelmente, agravada pela crise econômica na Argentina. O calote dado pelo governo argentino na dívida do país, em 2001, afetou cerca de 250 mil italianos, em geral pequenos poupadores que investiam com vistas à aposentadoria. Essa crise ajudou a azedar o humor da opinião pública italiana com o governo Berlusconi. Mesmo Prodi, quando visitou a região, ignorou a Argentina, passando só por Brasil e Chile.
Em compensação, Berlusconi não cansa de alardear uma suposta relação preferencial com o presidente russo, Vladimir Putin. Isso parece denotar uma sua concepção de relações internacionais baseada na relação pessoal entre os líderes. A Itália é um grande importador de gás russo, do qual depende para a produção de energia elétrica.
Além das nove visitas aos EUA, Berlusconi buscou sempre agradar o presidente americano, George Bush. Enviou tropas italianas ao Iraque, apesar da forte resistência da opinião pública italiana e de dúvidas dentro de sua própria coalizão de governo. E não foi esclarecida a participação do governo italiano em operações secretas da CIA no país, como o seqüestro de uma autoridade religiosa islâmica em Milão, em 2003, e os vôos também da CIA para transporte de prisioneiros da guerra ao terrorismo.
Durante a campanha eleitoral na Itália, o adversário de Berlusconi, o ex-prefeito de Roma Walter Veltroni (centro-esquerda), prometeu continuar o processo de aproximação com o Brasil e a América Latina, iniciado por Prodi. Berlusconi não tocou no assunto.
Sob Berlusconi, a Itália acirrou ainda sua posição contrária à reforma do Conselho de Segurança da ONU, tema prioritário da política externa brasileira. A Itália não quer que a Alemanha ingresse no Conselho, que já tem França e Reino Unido. Nesse caso, o país ficaria sendo a única das quatro grandes economias européias a ficar de fora.
Curiosamente, o Milan, time de futebol que pertence a Berlusconi, tem mostrado nos últimos anos uma predileção por jogadores brasileiros. São oito no elenco atual. E Ronaldinho Gaúcho pode estar chegando. Mas essa preferência se deve ao técnico Carlo Ancelotti, um admirador confesso do futebol brasileiro.