Título: Unctad prega aumento da concorrência
Autor: Moreira , Assis
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2008, Agronegócios, p. A14

As Nações Unidas incrementaram o debate global em torno da crescente inflação dos alimentos e alertaram que o aumento dos lucros proporcionados pelas exportações agrícolas está beneficiando menos os agricultores dos países em desenvolvimento e mais as agroindústrias processadoras de matérias-primas, as tradings e as grandes redes de supermercados.

A análise é baseada na enorme concentração na distribuição dos alimentos, comparada à fragmentação do lado da oferta. E ajuda a explicar a diferença crescente entre o que os consumidores pagam e o que os produtores agropecuários de fato recebem.

Diante disso, a Agência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) prega que a nova realidade no comércio internacional, caracterizada por demanda duradoura e alta de preços, exige que os países reforcem com urgência suas políticas de concorrência agroindustrial. Em plena crise, o tema será colocado aos chefes de Estado e dezenas de ministros que participarão da grande reunião do órgão na próxima semana, em Accra (Gana).

O índice de preços da Unctad para as commodities (exclui petróleo) alcançou recentemente seu maior nível em dólar desde 1960. Aumentou 159% entre janeiro de 2002 e janeiro de 2008. As matérias-brutas de origem agrícola subiram 133%, enquanto os preços de metais e minerais progrediram 285% no período.

O aumento atual dos custos mundiais de quase todos os gêneros alimentícios repercute na cadeia de valor e abastecimento, pressionando a inflação e causando mais insegurança alimentar, sustenta a Unctad. A entidade nota que é esse movimento que leva cada vez mais governos a adotar medidas para controlar a situação. Para a agência da ONU, sem uma política de concorrência adequada, a situação tende a se agravar.

E a preocupação cresce. Na França, Christine Lagarde, ministra da Economia, convocou uma mesa-redonda com produtores, processadores e supermercados depois de constatar uma elevação média de 5% nos preços ao consumidor, mas com alguns alimentos subindo até 27% em um ano.

Nos países industrializados, a população gasta entre 10% e 15% da renda com alimentos, enquanto nos países em desenvolvimento esse percentual varia de 50% a 75%, de acordo com economistas. Daí porque a Unicef, fundo das Nações Unidas para a infância, qualifica a situação atual de "bomba de efeito retardado" e teme que mais crianças nos países pobres abandonem a escola para trabalhar e ajudar as famílias a comprar comida.

A previsão é que a fatura de importação de cereais dos países da África deverá aumentar de US$ 6,5 bilhões, na temporada 2002/03, para US$ 14,6 bilhões em 2007/08. Na Ásia, a conta tende a subir de US$ 7 bilhões para US$ 15,4 bilhões na comparação. Em outros países mais pobres e com amplo déficit de alimentos, apenas a importação de trigo poderá saltar de US$ 7,8 bilhões para US$ 19,1 bilhões no intervalo.

O Programa Alimentar Mundial (PAM) informou que 80% dos alimentos que distribuiu à população pobre em 70 países foram comprados de produtores locais, e pontuou que as aquisições foram realizadas "de maneira equilibrada" para não provocar mais inflação nesses países.

O PAM aumentou sua necessidade de recursos para este ano de US$ 2,9 bilhões para US$ 3,4 bilhões, justamente em virtude da elevação dos preços. Mas dos US$ 500 milhões adicionais que pediu à comunidade internacional, só recebeu até agora US$ 14 milhões, apesar de a crise de alimentos ter entrado com força na agenda política mundial.