Título: Siderúgicas reagem ao assédio das múltis
Autor: Durão , Vera Saavedra
Fonte: Valor Econômico, 16/04/2008, EU & Carreira, p. D6

A crise de escassez de mão-de-obra qualificada está levando as siderúrgicas brasileiras mais antigas a se movimentar para não perder pessoal para as multinacionais do setor que estão chegando ao país. Um levantamento do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda, feito de janeiro de 2007 até abril deste ano, informa que foram homologadas 770 rescisões de contratos de trabalho- cerca de 48 por mês- na Usina Presidente Vargas, da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a maioria para mudança de empresa. "As pessoas estão indo para a CSA, onde está sendo construída a fábrica da ThyssenKrupp, em Santa Cruz. Está saindo gente com muita experiência, pessoal da aciaria com 15 a 20 anos de casa, atraídos por melhores salários. Eu mesmo tenho um cunhado e um conhecido casado com minha sobrinha, ambos apontadores de material, que foram para lá. A CSA alugou uma casa para eles em Santa Cruz", disse ao Valor Carlos Pinho, diretor de comunicação do Sindicato. A CSN, através de sua assessoria, reconhece a perda de alguns funcionários para outras empresas, mas não confirma os números do Sindicato. Outra que está buscando talentos no mercado para sua futura usina, a Baosteel Companhia Siderúrgica de Vitória (CSV), no Espírito Santo, é a chinesa Baosteel. Até agora já recrutou 16 brasileiros, quatro ex- ArcelorMittal Tubarão e um ex-CSN. Eles foram contratados por Li Yasong, que assumiu o cargo de presidente-executivo da CSV, para trabalhar no estudo de viabilidade e na implantação do projeto em terras capixabas.

Além dos altos salários pagos pelos alemães e chineses, estes profissionais são seduzidos pelo desafio de construir um novo projeto siderúrgico a partir do chão (greenfield), coisa que não ocorre no Brasil desde a instalação da usina de Tubarão, nos anos 80. Valorização da experiência profissional, mais treinamento no exterior e bolsas de estudos para aperfeiçoamento lá fora oferecidos pelos patrões estrangeiros também seduzem os brasileiros. Um engenheiro metalúrgico na faixa dos 50 anos, que não quis ser citado, trocou seu emprego de 28 anos numa antiga siderúrgica pela novata Baosteel CSV e se confessou "feliz da vida com o novo casamento". A fonte admite ter deixado o antigo emprego por causa do ambiente de trabalho, que chamou de "hostil", principalmente para as pessoas com mais tempo de casa. "Havia muito desrespeito", acusou. E relata que na siderúrgica chinesa encontrou um clima de valorização dos profissionais mais velhos e experientes. "Creio que é uma virtude da cultura oriental. Eles nos ouvem e nos perguntam coisas importantes. Nos reunimos com o CEO, uma pessoa simples e afável". Os brasileiros contratados na Baosteel CSV já estão estudando mandarim e deverão fazer cursos de aperfeiçoamento na China, a partir do segundo semestre. A estratégia de gestão profissional é priorizar uma integração total entre brasileiros e chineses, num projeto onde a Baosteel tem 60% do capital e a Vale, 40%, diz Jacqueline Oliveira, gerente de recursos humanos. Ela rechaça a hipótese de importação de mão-de-obra chinesa. "Nosso foco será desenvolver profissionais locais". Em 2011, quando a usina estiver operando, terá 4 mil empregados.

Na ThyssenKrupp Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA) já foram contratadas 750 pessoas para o quadro da própria siderúrgica, nesta primeira fase de estudo de viabilidade e desenho do projeto. O empreendimento já está sendo construído. É o maior canteiro de obras do Estado do Rio no momento, com 15 mil empregados de empreiteiras trabalhando. O local vai abrigar uma usina siderúrgica, uma térmica, uma coqueria e terminal portuário. Para enfrentar a falta de trabalhadores especializados, a CSA lançou em junho do ano passado uma campanha na mídia de recrutamento de pessoal nos estados do Rio, São Paulo, Minas e Espírito Santo, locais estratégicos de concentração de trabalhadores da indústria do aço. Com este movimento, a empresa dava início a seleção de equipes para a fase de instalação e operação da siderúrgica que começa em março de 2009. Foram oferecidas vagas em diversas áreas, como sinterização, alto-forno, lingotamento contínuo, laboratório, logística interna, operação portuária e termoelétricas para cargos em nível médio e superior. Com este anúncio publicado nestas diversas praças a ThyssenKrupp recebeu 49.472 currículos do Brasil inteiro, a maioria do Rio.

-------------------------------------------------------------------------------- "Até abril deste ano, foram homologadas 770 rescisões de contratos de trabalho na CSN", informa o Sindicato dos Metalúrgicos --------------------------------------------------------------------------------

Na início da operação a companhia terá 3.500 empregados diretos. Destes, um terço será de novatos que já estão sendo treinados pelo Senai-RJ. Mais um terço será composto de profissionais com alguma experiência na área industrial, como eletricistas, mecânicos, instrumentistas. O restante um terço, em torno de 600 pessoas, será formado profissionais de nível gerencial e técnico, como engenheiros especializados na atividade siderúrgica, com um mínimo de oito anos de experiência. A política de contratações dos alemães, seguindo a tradição européia, não faz restrição à contratação de aposentados. "Não temos limite de idade. Os aposentados podem retomar sua carreira e vamos contratá-los para supervisores e principalmente pela experiência que podem passar para os jovens", disse Mônica Freitas, titular da área de comunicação institucional da ThyssenKruppCSA. Ela reconhece que o projeto da CSA vem atraindo o pessoal do setor pelo desafio. Além de ser uma nova usina, os funcionários contarão com uma política de treinamento intensa, incluindo mandar profissionais experientes para um alinhamento de processo na Alemanha. O treinamento já começou e mais de 200 engenheiros e técnicos vão fazer cursos em Duisburg, sede da ThyssenKrupp Steel.

Toda esta estratégia de captação de quadros está gerando mudanças na política de recursos humanos da CSN e da CST. A partir de julho tem início a segunda fase da construção da CSA, com o pessoal começando a trabalhar para a empresa iniciar a operação no início do ano que vem. A expectativa dessas empresas é de perder pessoal para a fábrica alemã. José Augusto Servino, gerente de remuneração e desenvolvimento da ArcelorMittal Tubarão, reconhece que o assédio maior à mão-de-obra qualificada vem das novas usinas. "Hoje, ninguém dorme em berço esplêndido com relação à retenção de pessoas. Temos de estar antenados 110% do tempo. Temos de evitar um ambiente de canibalismo entre as empresas na disputa por mão-de-obra", prega Servino. Ele conta que a usina da antiga CST vem se preparando para enfrentar este problema há algum tempo. "Temos buscado solucionar nossas demandas de pessoal com muita dedicação da minha equipe de recrutamento e seleção. Para reter talentos temos um pacote completo, pois não queremos entrar em guerra de salários. Não vamos segurar quem tiver uma proposta irrecusável. Minha preocupação é descobrir porque os empregados estão deixando a empresa, além da motivação salarial. Sei que perder, eu vou perder, mas tenho que ter velocidade na reposição sem perder produtividade e qualidade no resultado. Neste caso, a melhor política é a de qualificar o estagiário, tendo um programa de trainee e oferecer-lhe oportunidades para construir uma carreira. Nosso foco é o jovem", disse Servino.

Na CSN está sendo implantado um modelo de gestão de pessoas alinhado à gestão da empresa, informa a assessoria. Ela está trabalhando numa política de novas contratações para o projeto da mina Casa de Pedra, da CSN Cimentos e da entrada em produção de uma empresa no segmento de aços longos. Só na mina de Congonhas estão previstas 1.400 contratações até 2011. Até 2010 a mina terá 3 mil empregados. Alvo de críticas do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda por não pagar piso salarial e ter abolido após a privatização o adicional de tempo de serviço e achatado salários, a siderúrgica controlada por Benjamin Steinbruch pretende criar várias oportunidades de capacitação e desenvolvimento de mão-de-obra para tentar driblar a escassez de empregados qualificados e sustar a fuga de seus talentos. O Programa Educar, de formação escolar no Ensino Fundamental e Técnico já atende 2.300 pessoas. A CSN também está concedendo bolsas parciais de ensino superior e, no ano passado, contratou todos os 37 estagiários que foram selecionados no seu programa de trainee. Este ano foi implantado o Programa Capacitar, que tem como objetivo investir em jovens profissionais e qualificá-los para o mercado de /trabalho na área de mineração, novo braço de atividade da companhia. No momento, a CSN está negociando acordo coletivo com seus empregados diretos. São 8,5 mil em Volta Redonda. A data prevista do acordo é 1º de maio.