Título: Greve de auditor já tem efeito além do comércio externo
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Fonte: Valor Econômico, 17/04/2008, Opinião, p. A14

Não pairam dúvidas no mundo empresarial e no governo de que a greve dos auditores fiscais da Receita Federal, que completa exatamente um mês amanhã, está prejudicando a movimentação de comércio exterior do país e ameaça o abastecimento de alguns segmentos industriais. Exportações e importações estão sendo liberadas de forma muito mais lenta do que o usual e, como não há perspectivas de um acordo ente grevistas e o governo federal, as perdas devem se acumular nas próximas semanas.

Além disso, já se constata que empresas da Zona Franca de Manaus tiveram que paralisar nos últimos dias suas linhas de produção por causa da dificuldade em receber insumos trazidos do exterior, conforme relato do Sindicato da Indústria de Aparelhos Elétricos, Eletrônicos e Similares (Sinaees). Segundo Wilson Périco, presidente do Sinaees do Amazonas, o prejuízo das empresas da região com a greve já chega a R$ 1 bilhão. Esse dado inclui as perdas das companhias que tiveram as linhas de produção interrompidas e também o impacto para seus fornecedores, como fabricantes de plásticos e embalagens, que foram obrigados a reduzir a produção.

Ontem, a avaliação da situação se tornou mais crítica depois que Antonio Meduna, do conselho de administração do Sindicato Nacional da Indústria de Componentes para Veículos Automotores (Sindipeças), informou que o seu setor já trabalha "no limite" como consequência da greve dos auditores e que já vislumbra a perspectiva de interrupções nas linhas de montagem das montadoras. Uma das preocupações da indústria automobilística é a possibilidade de perda de contratos no exterior por causa da lentidão na entrada e na saída de produtos no país, acrescentou o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider, que também manteve ontem reunião com o ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge. "Esses mercados não vão ficar nos esperando, esses mercados vão buscar produtos em outros lugares, e isso significa que nós vamos perder presença." O risco é, portanto, de redução nos níveis de produção industrial, além dos atrasos nas exportações.

Os auditores fiscais de todo o país estão em greve desde o dia 18 de março reivindicando reajustes salariais. O movimento afeta principalmente as importações, que exigem mais fiscalização. Apesar do ritmo forte de crescimento da economia, as importações recuaram 13% nas duas primeiras semanas de abril em relação a março pelo critério de média diária, conforme a Secretaria de Comércio Exterior. Na mesma comparação, as exportações subiram apenas 0,5%. Segundo a Secex, a redução das importações está concentrada nos manufaturados, cujas vendas recuaram 7,4% nas duas primeiras semanas de abril em relação a março pelo critério da média diária. As vendas externas de material de transporte caíram 21% nessa comparação, principalmente por conta da dificuldade nas aduanas da fronteira com a Argentina.

A greve dos auditores da Receita Federal começou no dia 18 de março. Na segunda-feira, eles decidiram em assembléia que vão continuar o movimento até que suas reivindicações salariais sejam atendidas pelo governo. Os empresários lembram que este é o sexto ano consecutivo de greve. Segundo cálculo do Sinaees, são 440 dias de prejuízo apenas nos últimos três anos, se somadas as greves dos fiscais do Ministério da Agricultura e dos funcionários dos Correios. Além disso, é lembrado que os auditores já recebem salários elevados se comparados com o nível médio dos funcionários públicos. Segundo o Ministério do Planejamento, os auditores da Receita tiveram, desde 2002, 123,4% de aumento no valor inicial do salário na carreira. Era de R$ 4.544,53 e saltou para R$ 10.115,32. No salário do topo da carreira, os aumentos, nesse período, foram de 81,41% (R$ 7.376,91 para R$ 13.382,26).

O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Unafisco) contesta os dados sobre dias parados nos últimos anos e diz que as últimas greves ocorreram em 2006 e 2004 com duração de dois meses cada. A entidade diz que em 2007 ocorreram apenas duas paralisações - uma durou 24 horas e outra teria sido de 48 horas.