Título: Argentina redescobre mercado brasileiro
Autor: Landim , Raquel
Fonte: Valor Econômico, 17/04/2008, Especial, p. A16

As indústrias da Argentina estão redescobrindo o mercado brasileiro. Graças a desvalorização do peso em relação ao real, o país vizinho e sócio do Mercosul ganhou competitividade e quer aproveitar o "boom" de importações do Brasil, provocado pelo crescimento da economia. Não são apenas empresas de capital local que se beneficiam do momento, mas também multinacionais e companhias brasileiras instaladas no país.

As exportações de produtos manufaturados de origem industrial da Argentina para o Brasil atingiram US$ 6 bilhões em 2007, 32% a mais do que em 2006. Para os demais países do mundo, as vendas externas de produtos industriais da Argentina cresceram 10%, segundo o estudo "A recuperação da Argentina e a nova fase de suas exportações", feito pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) a pedido do Valor.

"Os argentinos encontraram no Brasil um mercado ávido por importações e seu interesse tende a aumentar", diz Roberto Giannetti da Fonseca, diretor do departamento de comércio exterior da Fiesp. No fim de março, a entidade recebeu uma delegação de 60 empresários argentinos. Giannetti admite que pode haver problemas em alguns setores da indústria brasileira, mas ressalta que a tendência é reforçar o Mercosul e que as importações só incomodam quando há concorrência desleal. "É mais o caso da China do que da Argentina", diz.

A Vulcabras é uma das empresas brasileiras que decidiram se instalar na Argentina e exportar do país vizinho para cá. Segundo Milton Cardoso, diretor-presidente, 10% da produção da fábrica da Argentina vem para o Brasil. Ele estima que o percentual chegue a 30% na medida em que novos modelos sejam agregados à linha de produção. A Vulcabras adquiriu a unidade na Argentina em junho de 2007 e já elevou o número de funcionários de 500 para 2 mil.

O objetivo da fábrica é atender ao mercado argentino, mas a Vulcabras estuda elevar a capacidade para exportar para outros países da região a partir do ano que vem. Devido ao câmbio, Cardoso diz que a fábrica na Argentina hoje é mais competitiva que a do Rio Grande do Sul. "Existem duas nuvens negras na Argentina, que são a falta de energia e a inflação", afirma, ressaltando que investiu em geradores para se precaver de cortes de energia no inverno. Ainda no setor calçadista, também optaram por produzir na Argentina as empresas Paquetá, West Coast, Dilly e São Paulo Alpargatas.

O interesse das indústrias instaladas na Argentina pelo Brasil acompanha as mudanças na economia dos dois países. Depois de amargar taxas de crescimento pequenas, o PIB brasileiro cresceu 5,4% em 2007. O real e o peso, que chegaram a ter uma paridade em relação ao dólar, hoje estão descolados. O dólar estava cotado ontem a R$ 1,66 e a 3 pesos. "O comércio bilateral Brasil-Argentina é ditado pelos critérios macroeconômicos", diz Pedro Pedrossian Neto, coordenador de análise econômica do departamento de comércio exterior da Fiesp.

O setor automotivo representa 40% do intercâmbio entre os dois países. Em 2005, a Argentina amargava déficit de US$ 823 milhões com o Brasil em automóveis. Em 2007, esse resultado foi revertido para superávit de US$ 78 milhões. Montadoras como Fiat, Volkswagen, Scania e Toyota haviam reduzido suas operações na Argentina com a crise, mas retornaram recentemente. No total do setor automotivo, o saldo do Brasil ainda supera os US$ 2 bilhões, já que a produção de autopeças está concentrada no país.

Segundo Jackson Schneider, presidente da Associação Nacional de Veículos Automotores (Anfavea), existem duas condições fundamentais para o investimento: mercado pujante e previsibilidade nos negócios. Como Brasil e Argentina estão crescendo vigorosamente, os mercados são interessantes, mas ainda faltam regras claras para o livre comércio. O executivo diz que as matrizes das montadoras enxergam a região como um mercado único.

Até a guinada verificada em 2007 e que deve prosseguir, o Brasil perdia espaço como destino das exportações argentinas, o que aumentava as queixas dos vizinhos sobre a importância do Mercosul. As exportações da Argentina cresceram 118% entre 2002 e 2007, para US$ 55,9 bilhões. Em 1998, antes da crise, o Brasil respondia por 30% das exportações do país. Esse percentual caiu para 16% em 2006, mas subiu para 18,6% em 2007.

As vendas externas de manufaturas de origem industrial duplicaram, atingindo US$ 17,3 bilhões entre 2002 e 2007. As exportações de manufaturados da Argentina no período cresceram 36% para o Brasil e 169% para o resto do mundo. Em 1998, antes da crise, o Brasil absorvia US$ 4,4 bilhões em manufaturados da Argentina, mais do que as vendas de US$ 4,2 bilhões para o resto do mundo. Em 2007, a Argentina exportou US$ 6 bilhões em manufaturados para o Brasil e quase o dobro para o resto do mundo, US$ 11,2 bilhões.

Maurício Claveri, economista e analista de comércio exterior da Abeceb.com, consultoria sediada em Buenos Aires, diz que a Argentina diversificou seu comércio exterior e hoje depende menos do que antes do Brasil para colocar seus produtos, resultado de um esforço do governo e empresários para identificar novos mercados. O governo argentino não dispõe de linhas de crédito adequadas para financiar importadores, mas tem dado apoio logístico, organizando missões de prospecção de negócios em outros países.

As vendas de commodities da Argentina recuaram para o Brasil, enquanto aumentaram para o resto do mundo. As exportações de produtos primários argentinos para o Brasil caíram 1,2% entre 2002 e 2007, mas subiram 126% para os demais países. As vendas de manufaturas de origem agrícola do país também recuaram 1,4% para o Brasil no intervalo, enquanto subiam 137% para o resto do mundo. As vendas de commodities da Argentina são prejudicadas pela política do país de taxar as exportações para aumentar a oferta interna e controlar a inflação.

No setor industrial, automóveis e máquinas e equipamentos evidenciam a diversificação das exportações da Argentina. Em 1998, o Brasil representava 86% das exportações do setor automotivo do país vizinho. Em 2007, esse percentual caiu para 58%. O México e a Venezuela ganharam destaque, respondendo por 10% e 7%, respectivamente. Em máquinas e aparelhos mecânicos, o Brasil absorvia quase metade das exportações da Argentina (48%) em 2002. Em 2007, o percentual ficou em 29%. Os Estados Unidos também perderam espaço, caindo de 14% para 9%. A Venezuela superou os americanos como segundo principal mercado em 2007 e chegou a 9%.

O comércio entre Brasil e argentina ainda é amplamente favorável para os brasileiros com superávit de US$ 4 bilhões. "O déficit da Argentina é estrutural e não vai desaparecer tão cedo", diz Claveri. Ele lembra que, a partir da crise, ficaram evidentes as diferenças de eficiência e escala em comparação com o Brasil. Se a economia brasileira seguir crescendo, diz ele, a tendência é que as exportações argentinas para o maior país do Mercosul aumentem. Mas, para ele, o comércio ainda será deficitário para a Argentina durante muitos anos. (Colaborou Janes Rocha, de Buenos Aires)