Título: Para aliados, Dilma precisa ganhar jogo de cintura
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Fonte: Valor Econômico, 22/04/2008, Política, p. A12

Dilma: ao contrário do que se imaginava, o escândalo do dossiê foi insuficiente para abalar a imagem da ministra No seu primeiro embate político real e público, a chefe da Casa Civil, ministra Dilma Rousseff, mostrou que ainda precisa criar "anticorpos" se almeja, de fato, suceder Luiz Inácio Lula da Silva em 2010. Esta é uma avaliação de seus próprios aliados. Se, por um lado, o escândalo do dossiê não foi suficiente para abalar sua imagem perante a opinião pública - pelo contrário, pesquisas encomendadas pela oposição mostram que a intenção de voto na ministra oscila entre 8% e 10%, ou seja, ela cresceu com a exposição - por outro, a avaliação é de que ela "rateou" na hora de se explicar.

Ao dizer que "teria mais a fazer do que ir ao Congresso falar sobre dossiê", e ao conceder uma entrevista coletiva confusa, que precipitou a entrada da Polícia Federal nas investigações, ela provou que tem muito a aprender sobre as disputas políticas.

"Eleições presidenciais são uma selvageria, política e emocional. Lula, (José) Serra, Ciro (Gomes) têm couro pronto para apanhar, Dilma não", resumiu um ministro. Dilma tem atividade política desde os tempos da ditadura, foi filiada ao PDT e hoje é petista. Segundo um integrantes da direção partidária, ela vai aos encontros do partido, vota nas reuniões da Executiva e do diretório. Mas não é uma formuladora.

"Ela pode ter militância política, mas não militância partidária ou parlamentar. Não está acostumada com esses embates emocionais", resumiu um ministro.

Centralizadora e detalhista, algumas ações tomadas durante esse episódio foram decididas pela própria Dilma, sem falar com ninguém. Na segunda-feira após a primeira reportagem sobre o caso, Dilma aproveitou os instantes que antecediam a reunião de coordenação política para comunicar ao presidente Lula que ligaria para Dona Ruth Cardoso. Queria deixar claro que não partira da Casa Civil qualquer decisão de elaborar dossiês sobre gastos pessoais do governo anterior.

"Presidente, eu preciso fazer isso, uma conversa de mulher para mulher", teria dito Dilma, segundo relato de presentes. "Eu acho bom, se você também acha, tudo bem", teria respondido o presidente.

O episódio da entrevista coletiva para explicar o dossiê também foi uma decisão pessoal. Ela já havia comentado o caso em viagens à Alagoas e Curitiba, mas, quando foi publicada uma reportagem mostrando que o dossiê foi vazado a partir de computadores da Casa Civil, ela comunicou ao núcleo do governo de que gostaria de vir a público prestar esclarecimentos. "Cada um, pressionado, tem uma postura própria. Ela optou por vir a público e falar tudo sobre o caso. Outros preferem ficar quietos", explicou um integrante do primeiro escalão.

Mas o estilo Dilma, perfeccionista, pode ter atrapalhado no momento de prestar os esclarecimentos. "Ao invés de bater na tecla de que não havia dossiê e que a Polícia Federal entraria imediatamente no caso para auxiliar a investigação, ela entrou em pormenores do caso, criando mais confusão e diminuindo um pouco aquela imagem de capacidade intelectual para administrar conflitos", analisou um petista com bom trânsito nas altas esferas da República.

Se houve tantos erros, como explicar que em pesquisas Dilma subiu entre quatro e seis pontos percentuais nas intenções de voto para presidente da República? A primeira explicação é simples e ficou comprovada em algumas pesquisas de opinião, como do Ibope, por exemplo. Dilma é a "mãe do PAC", uma alcunha muito mais forte do que atrelá-la a um suposto dossiê elaborado na Casa Civil.

Outro é o momento político. Juridicamente, alguns petistas acham que o caso do dossiê é mais grave do que a quebra do sigilo do caseiro, que derrubou Antonio Palocci do Ministério da Fazenda, por exemplo. No segundo caso, houve a "violência de se abrir um sigilo de uma pessoa pobre". Mas no caso atual, foi exposto o sigilo do ex-presidente e da ex-primeira dama, um assunto muito mais grave do ponto de vista institucional. Que deixa vulnerável o atual presidente e seus gastos, a que não quer dar transparência de forma nenhuma. Passaria, facilmente, pela cabeça de todos, a pergunta: se fizeram isso com um ex-presidente, todos nós estamos vulneráveis. "Mas o momento não é de crise política, como era em 2005".

Outra questão é que Dilma consegue transmitir para a população e para o próprio governo essa imagem de gestora eficiente. "Ela traz uma bagagem de conhecimentos tão grande e uma imagem de conduta tão correta, que isso praticamente nos impede de pensar algo que a desabone", confidenciou um empresário a pessoas próximas, após reunião de Dilma com empreendedores da região sul do país.

Ela mantém a rotina de 12, 13 horas de reunião por dia. Nas últimas semanas dividiu essa responsabilidade com os preparativos para o casamento da sua filha, a procuradora do Trabalho Paula Rousseff Araújo, 32, realizado na sexta-feira. Aos integrantes da coordenação política, confirmou que passou o fim de semana anterior ao casamento preocupada com o vestido da filha.

O casamento serviu também para, em tom de brincadeira, para aparar arestas - segundo o ministro Franklin Martins (Comunicação), inexistentes, entre ele e Dilma. Uma reportagem veiculada há dez dias disse que os dois haviam discutido asperamente por causa da entrevista coletiva. "Viu, Dilma, eu estava cheio de compromissos e agora, pelo jeito, terei de ir ao casamento de sua filha", brincou Franklin, durante reunião da coordenação política. "Ai de você se não for", devolveu ela, também em tom bem humorado.

Lula não está alheio a isso tudo, pegou Dilma embaixo do braço e vai mantê-la em viagens pelo Brasil, apresentando o PAC. A relação entre ambos continua a mesma, incluindo as várias reuniões ao longo do dia. Além dos despachos internos e de encontros previstos na agenda, Lula também costuma convocá-la para alguns encontros com empresários e economistas. "Não dá para dizer que Lula diz amém para tudo que Dilma fala, até porque são dois estilos diferentes de personalidades. Mas ele respeita muito as posições de Dilma", completou um aliado do presidente.

O presidente admira na chefe da Casa Civil a sua capacidade de gestão. Considera inequívoco que seu governo ganhou em capacidade administrativa depois que ela chegou ao cargo, culminando com a criação do PAC. Alguns ministros petistas queixam-se que ela é autoritária, embora tenham pouca coragem para dizer isso pessoalmente a ela. "Ela não é autoritária, ela simplesmente cobra. Não dá para chegar em uma reunião com a Dilma, sobretudo sobre o PAC, sem estar com as coisas prontas, decoradas. Ela desce aos detalhes, chega a complementar dados que nem os ministros da Pasta têm", impressionou-se um ministro próximo ao presidente.

Do ponto de vista político, todos ainda acham prematuro considerar que existe uma candidatura consolidada. Na visão de alguns, Lula está deixando Dilma "na chuva para que ela se molhe. Quer saber se ela pega um resfriado ou se sai seca do outro lado". Para outros, o presidente a protegeu sim. Mas nada que seja estanque. "Lula protege alguém até o 'PH' mudar. Quando isso acontece, ele não tem o menor pudor em abandonar antigos companheiros", afirmou um petista acostumado com o jeito de Lula fazer política.